A garantia de acesso a creches e pré-escolas pelo Supremo Tribunal Federal como forma de preservação da saúde mental de mulheres cuidadoras

The guarantee of access to day care and prechools by the Brazilian Supreme Court as a way to preserve the mental health of female caregivers

Janaína Machado Sturza1; Joice Gaciele Nielsson2; Melina

Macedo Bemfica3

DOI: https://doi.org/10.37767/2591-3476(2023)04

Fecha de envío: 17.04.2023

Fecha de aceptación: 06.06.2023

RESUMO:

O presente artigo visa discutir o trabalho do cuidado realizado por mulheres a partir de suas correlações com a saúde mental das cuidadoras e com acesso às creches e pré-escolas públicas, recentemente reconhecido como direito subjetivo pelo Supremo Tribunal Federal. Pretende-se analisar em que medida a garantia de acesso às creches e pré-escolas pode ser um fator que contribui para a preservação da saúde mental das mulheres cuidadoras. Através da utilização de pesquisa bibliográfica e de breve estudo de caso, foi possível elucidar que as creches e pré-escolas podem proteger a saúde mental das mulheres cuidadoras, entre outras razões, por socializar parte do trabalho do cuidado..

RESUMEN:

Este artículo tiene como objetivo discutir el trabajo de cuidado realizado por las mujeres a partir de su correlación con la salud mental de las cuidadoras y con el acceso a las guarderías y preescolares públicos, recientemente reconocido como derecho subjetivo por el Supremo Tribunal Federal. Se pretende analizar en qué medida la garantía de acceso a las guarderías y preescolares puede ser un factor que contribuya a la preservación de la salud mental de las mujeres cuidadoras. Mediante el uso de la investigación bibliográfica y un breve estudio de caso, fue posible dilucidar que las guarderías y los preescolares pueden proteger la salud mental de las mujeres cuidadoras, entre otras razones, al socializar parte del trabajo de cuidado

ABSTRACT

This paper intent to discuss the care work performed by women from its correlation with the mental health of caregivers and with access to day care centers and public preschools, recently recognized as a right by the Brazilian Supreme Court. Based on bibliographical research and a brief case study, the aim is to analyze to what extent the guarantee of access to daycare centers and preschools can be a factor that contributes to the preservation of the mental health of female caregivers. Through the study, it is possible to conclude that daycare centers and preschools can protect the mental health of female caregivers, among other reasons, by socializing part of the care work.

PALAVRAS-CHAVE: Trabalho do cuidado; Redes de Apoio; Saúde Mental; Sociedade do Cansaço.

PALABRAS CLAVE: Trabajo de cuidados; Redes de apoyo; Salud mental; Sociedad del Cansancio.

KEY WORDS: Care work; Support Networks; Mental Health; Tiredness Society.

I. Introdução

O conhecido adágio afirma que "ser mãe é padecer no paraíso". Apesar da uma suposta exaltação da maternidade, é necessário destacar que junto ao paraíso está colocado o vocábulo padecer, que possui como significado sofrer de mal físico ou moral, suportar, amargar, aguentar, resistir.

Junto com o nascer biologicamente mulher e com a maternidade, ganha-se o papel social de cuidar, de maternar. Ao parir, nasce a expectativa social de que a mulher será a responsável por cuidar e nutrir, oferecendo todo o suporte necessário para que a criança mantenha sua vida e se desenvolva dentro do socialmente esperado. Apesar de todas as experiencias positivas advindas do maternar, o cuidar pode ser tarefa solitária e exaustiva.

Considerando a divisão da tarefa de cuidar não é realizada de forma equânime, o objetivo principal do presente artigo é analisar trabalho do cuidado realizado por mulheres a partir de suas correlações com a saúde mental e com acesso às creches e pré-escolas públicas.

Sabendo que as mulheres são as principais responsáveis pelo trabalho do cuidado, e que prover tais cuidados pode gerar consequências para sua saúde física e mental, procura-se responder em que medida a garantia de acesso às creches e pré-escolas, insculpida em decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal, pode ser um fator que contribui para a preservação da saúde mental das mulheres cuidadoras.

Parte-se da hipótese que ao reconhecer o direito dos bebês e crianças de acessar a educação desde tenra idade, o Supremo Tribunal Federal garante não somente o direito à educação, mas também atua, de forma indireta, para socializar parte do trabalho do cuidado que é realizado pelas mulheres quando não há vagas disponíveis nas instituições públicas de ensino infantil, auxiliando na preservação da saúde mental das cuidadoras.

Através de pesquisa bibliográfica e de breve estudo de caso, o trabalho será dividido em três partes: no primeiro momento tratar-se-á da mulher como a principal responsável pelo trabalho do cuidado. Posteriormente, será feita análise do impacto que o excesso de trabalhos de cuidado pode causar na saúde mental das mulheres cuidadoras. Por fim, será discutido o Recurso Extraordinário 1.008.166/SC e o acesso às creches e pré-escolas públicas a partir da ótica das redes de apoio e da preservação da saúde mental de mulheres cuidadoras.

II. A mulher como principal responsável pelo trabalho do cuidado

O vocábulo cuidar não é unívoco, do contrário, é marcado por uma miríade de ações e de significados. Cuidar é olhar com atenção, é diligência, desvelo, cautela e precaução. Tronto (2021) esclarece que é possível definir o cuidado a partir de uma díade, composta por quem cuida e por quem recebe tal cuidado.

Nesse sentido, é possível pensar o cuidado a partir de todas as ações realizadas pelos seres vivos para manter, continuar ou reparar o mundo, objetivando que nele se possa viver da melhor forma possível. O mundo, no contexto do cuidado, inclui todos os corpos e individualidades, juntos em uma conexão complexa que sustenta a vida (TRONTO, 2021).

Jonathan Herring (2013), em sua obra “Caring and the Law” considera que a lei deve dar uma legitimidade ao trabalho do cuidado, destacando como o cuidar deve ser valorizado e reconhecido, sendo regulamentado e restrito, já que os valores do cuidado, segundo o autor, são refletidos na lei. Herring (2013) examina a necessidade de uma interação da lei com o trabalho do cuidado em uma ampla gama de campos, incluindo direito familiar, médico, previdenciário, criminal e de responsabilidade civil.

Portanto, ao pensar sobre os seres humanos, Boff (1999) esclarece que o cuidar é a ação responsável por moldar a espécie. O cuidado é "um a priorí ontológico, está na origem da existência do ser humano." Foi a partir do cuidado, da dedicação e da responsabilidade que o ser humano foi moldado. O cuidado ajuda a dar significado ao outro, ao que está além nós.

O cuidado pode ser pensado a partir dos vocábulos care e nurturance. O primeiro conceito permite pensar o cuidado como um trabalho. Dessarte, o care "é o conteúdo do que se considera cuidado que norteia o agrupamento e a apresentação dos distintos conceitos e definições referentes ao tema." A escolha da palavra ocorre em razão da sua capacidade de "tornar nítida a organização social dos cuidados e os elementos que dela participam" (PEREIRA, 2016).

Noutro giro, o cuidado como nurturance está relacionado à interação face a face na atenção e amparo de pessoas dependentes – crianças, doentes, idosos." Em tal cenário, a ênfase se encontra na natureza das atividades consideradas, "entendidas como inerentemente relacionais, e na dependência daqueles que o recebem" (PEREIRA, 2016).

Conforme explicitado por Hirata (2010), a definição estrita de care é "é o tipo de relação social que se dá tendo como objeto outra pessoa." Já em definição ampla, o care inclui outras atividades que não são diretamente ligadas a pessoa, por exemplo, a realização de tarefas domésticas como cozinhar, limpar e lavar.

O cuidar, como uma atividade que demanda tempo, esforço, e saber fazer, deve ser entendido como um trabalho. Por tal razão, a Organização Mundial do Trabalho (2019) define o cuidado a partir de dois tipos de atividades sobrepostas: a primeira atividade é a de cuidado pessoal e relacional, como, por exemplo, cuidar de um bebê ou de um parente doente; já a segunda atividade, a do cuidado indireto, inclui a realização de tarefas como limpar, cozinhar e organizar.

O trabalho de cuidar pode ser realizado de forma remunerada, ou seja, por cuidadores que fazem a tarefa em troca de remuneração, entre eles enfermeiras, médicas, cuidadoras de idosos, fisioterapeutas. Porém, tais trabalhos também podem ser realizados de forma gratuita, ou seja, sem a contraprestação financeira presente na maioria das relações de trabalho. Remunerado ou não, resta claro que o cuidar é essencial para manutenção da vida e da espécie.

Portanto, é inequívoca a afirmação que a espécie humana precisa de uma elevada quantidade de cuidados para que possa manter sua vida. Em que pese tal afirmação, a forma como tais cuidados serão prestados e divididos não é estanque, variando de acordo com o período histórico e com os diferentes arranjos sociais realizados dentro de cada comunidade.

Conforme esclarece Zanello (2018), o papel de cuidar foi historicamente atribuído aos grupos considerados subalternos. No passado, tais trabalhos eram prestados mormente por pessoas pobres ou escravizadas. Já nos últimos dois séculos, tal papel vem sendo desempenhado primordialmente pelas mulheres.

A responsabilidade da mulher em realizar o trabalho do cuidado está fundamentada na suposta naturalidade da conexão entre mulheres e cuidado. Dessarte, Kymlicka (2006) esclarece que até o século XX, a maioria dos teóricos acreditava na existência de um suposto fundamento natural na sujeição das mulheres, reificando a crença na existência da naturalidade do confinamento das mulheres ao lar. Neste contexto, Herring (2013), destaca que a lei falhou em reconhecer a importância do trabalho do cuidado em muitas áreas e, ao fazê-lo, fez com que os custos e encargos dos cuidados recaíssem sobre aqueles que os fornecem, principalmente as mulheres.

Neste sentido, verifica-se que com o correr do tempo, mormente no século XVIII, a separação entre público e privado passou por processo de enrijecimento. O espaço público, marcado pela lógica da igualdade, foi definido como masculino. Assim, locais como trabalho e a política passam a ser vistos como identitariamente masculinos. Já o espaço dos lares foi identificado pelo aspecto da natureza, definido como “essencialmente feminino” em virtude de a mulher ser biologicamente responsável por gestar (ZANELLO, 2018).

As mulheres, seguramente contidas ao espaço do lar, eram subjetivadas a partir de seu suposto papel de protetora das virtudes, responsáveis por suavizar os valores rastejantes do mercado corrupto e a vaidade do mundo público. Em razão de supostamente serem criaturas sentimentais, exerciam melhor sua virtude no contexto doméstico. Dessa forma, elas passaram a ser identificadas com os sentimentos, deixando o espaço livre para que os homens fossem identificados a partir da razão (TRONTO, 1993).

A partir da completa identificação entre ser mulher, mãe e cuidadora, aparecem várias publicações que descrevem a existência de um “instinto materno”, responsável por criar o amor natural da mãe pelos seus filhos. De forma concomitante, é possível identificar modificações do olhar sob a criança, agora vista como um ser que necessita de cuidados especiais. Com a revolução industrial, se fez cada vez mais necessário garantir mão de obra barata e abundante, razão pela qual era necessário combater os altos índices de mortalidade infantil presente em grande parte dos países no século XVIII. Diante de tal cenário, a mãe foi escolhida como a responsável por reverter a situação (ZANELLO, 2018; BADINTER, 1985).

Conforme explicado por Bonilha e Rivorêdo (2004), durante a Idade Média ainda não existia o que hoje é entendido como infância. Não era possível observar uma rígida separação entre o mundo dos adultos e o mundo das crianças. Após conseguir realizar atividades como comer, andar e falar de forma autônoma, a criança participava do mundo como adulto. Com o Renascimento e o posterior surgimento da burguesia, surge, no imaginário das pessoas abastadas, a vontade de preservar a vida de suas crianças.

Com o correr do tempo, surge o que conhecemos como infância, representada pelo interesse psicológico e moral para com a criança, entendida como diferente do adulto. "Esse processo se consolida no século 18 com o Iluminismo, período fundamental para o surgimento do interesse científico pela criança." Além do surgimento da infância como conceito, surge a puericultura, definida como conjunto de técnicas utilizadas para assegurar o desenvolvimento físico e mental de bebês e crianças (BONILHA E RIVORÊDO, 2004).

Para além da medicina, a puericultura pode ser considerada prática social que visa normalizar comportamentos. Bonilha e Rivorêdo (2004), analisando a obra de Foucault, esclarecem que existiria uma tentativa de normalizar os indivíduos através do cuidado com as crianças, utilizando tais técnicas como pretexto para imposição de padrões de comportamentos às famílias pelas classes dominantes.

Com a necessidade crescente de mão de obra e os altos índices de mortalidade infantil, o cuidado com as crianças se torna forma de reverter tal quadro. Foucault (2014) esclarece que não se trata apenas de aumentar o número de crianças sadias, mas de gerir a infância, agora considerada como uma fase diferente da vida. A gestão da infância ocorre através de regras precisas a serem seguidas pela família, que deve cumprir obrigações com cuidados, contatos, higiene, limpeza, proximidade atenta, amamentação, vestuário e com a prática de exercícios físicos.

A crescente demanda por cuidado, dedicação e educação foi suprida majoritariamente pelas mulheres. As atividades do cuidado, obrigatoriamente desempenhadas pelas mães, as colocaram como as principais formadoras da personalidade e do caráter de seus filhos. Nesse contexto, a mulher passa a existir somente em relação aos filhos e marido, sendo o cuidar sua principal responsabilidade e forma de realização pessoal (ZANELLO, 2018).

Considerando tal cenário, Zanello (2018) cunha o conceito de dispositivo materno, usado para desnaturalizar a suposta capacidade natural da mulher de cuidar. Assim, o dispositivo materno é fenômeno consolidado a partir da mistura entre a capacidade de gestar, de maternar e o ser mulher, com seus consequentes desdobramentos, entre eles o suposto dever de cuidado com as novas gerações.

Esse dispositivo, acrescido do modelo de “boa-mãe” oriundo do Mito do Amor Materno de Badinter, impõem “para as mães que se anulem diante das suas responsabilidades com os seus filhos”, atuando não apenas sobre as mulheres que são mães, “mas também institui códigos e valores morais para todas as mulheres, para que estejam prezando sempre pelo cuidado do outro” (SILVA et, al., 2020).

Ao analisar as atividades realizadas fora do lar em comparação com o cuidado, Federici (2019) elucida que a grande diferença entre os dois tipos de trabalho reside no fato de que o cuidar foi imposto às mulheres e transformado em atributo natural de sua personalidade, “uma necessidade interna, uma aspiração, supostamente vinda das profundezas da nossa natureza feminina. O trabalho doméstico foi transformado em um atributo natural em vez de ser reconhecido como trabalho, porque foi destinado a não ser remunerado.”

O capital, premido da necessidade de convencer as mulheres sobre a naturalidade do trabalho do cuidado, se movimentou no sentido de afirmar que tal trabalho traz plenitude, que é um “ato de amor”. Todo esse movimento foi realizado com o fito de convencer as mulheres para que trabalhassem sem a devida remuneração. O fato do trabalho doméstico ser realizado sem remuneração é usado como arma para convencer que tais tarefas não são um verdadeiro trabalho, impedindo que as mulheres que as mulheres sejam vistas como trabalhadoras em luta (FEDERICI, 2019).

Nesse contexto, os trabalhos realizados por homens e mulheres são marcados pelos estereótipos da masculinidade e da feminilidade. A virilidade, qualidade masculina, é associada ao trabalho pesado. Já a feminilidade é associada ao trabalho supostamente leve, fácil, limpo. A masculinidade foi conectada a ideia de homo economicus, aquele que age com racionalidade, e a feminilidade, associada aos sentimentos. Dessarte, “ficaram reservadas aos homens as tarefas que geram mais retornos econômicos, e às mulheres, as tarefas que embora possam não gerar bons retornos econômicos têm ligação com o lado amoroso, cuidadoso, altruísta “feminino” (SOUZA; GUEDES, 2016).

Dessarte, o cuidar, ato essencial para manter a vida, é considerado, no mundo do trabalho, como algo secundário. O trabalho de cuidado não é valorizado ou reconhecido, de modo que ou não é remunerado ou é mal pago, sendo “assumido por mulheres e meninas em situação de pobreza, especialmente por aquelas que pertencem a grupos que, além da discriminação de gênero, sofrem preconceito em decorrência de sua raça, etnia, nacionalidade, sexualidade e casta” (OXFAM, 2020).

Consoante o asseverado por Nielsson, Zeifert e Barcellos (2017), a sociedade brasileira atual ainda "inscreve o “ser mulher” em uma condição de subordinação e desvalorização." Dessarte, o trabalho do cuidado é cotidianamente desvalorizado a partir de sua associação ao feminino.

Em síntese, é possível notar que o trabalho do cuidado ainda é considerado essencialmente feminino, oriundo de uma suposta capacidade natural feminina para exercer tais atividades. Em que pese o cuidado ser predominantemente desempenhado pelas mulheres, é mister salientar que os homens também são capazes de cuidar. Dessarte, o cuidado é uma habilidade da espécie humana, e não somente de parte dela.

III. Excesso de trabalho do cuidado e a saúde mental de mulheres cuidadoras

O cuidar, atividade essencial para manutenção da vida, não é divido de forma equânime entre homens e mulheres. Tal divisão não é experimentada apenas por mulheres brasileiras, do contrário, conforme demostrado por Gálvez-Muñoz; Rodríguez-Modroño; Domínguez-Serrano (2011), é realidade na maioria dos países, inclusive nos desenvolvidos.

Mapeando a divisão do cuidado no mundo, relatório da OXFAM (2020), esclareceu que “as mulheres são responsáveis por mais de três quartos do cuidado não remunerado e compõem dois terços da força de trabalho envolvida em atividades de cuidado remuneradas”, ou seja, as mulheres são responsáveis por 75% do trabalho de cuidado não remunerado no mundo.

Tal documento aponta que as mulheres residentes em zonas rurais e em países de baixa renda dedicam em média 14 horas do seu dia para trabalhos de cuidados não remunerados, ainda aduz que 42% das mulheres em idade ativa estão fora do mercado de trabalho para dedicarem-se ao trabalho de cuidado não remunerado. No mesmo sentido, a Organização Internacional do Trabalho estima que 606 milhões de mulheres em idade ativa para trabalhar não estão em busca de emprego em razão da elevada carga que o cuidar representa em suas vidas (OXFA, 2020; OIT, 2019).

Pesquisa realizada pelo Instituto Tricontinental (2020) apontou que 85% do trabalho de cuidado realizado no interior das famílias é feito por mulheres. No ano de 2019, por exemplo, “as mulheres dedicavam em média 21,4 horas semanais, enquanto os homens apenas 11 horas” aos cuidados. Àquelas que trabalham fora de casa ainda “cumprem em média 8,2 horas a mais em obrigações domésticas que os homens que também trabalham fora”.

No mesmo sentido, Marcondes e Garcia (2022) reiteram que entre a população brasileira pesquisada, as mulheres gastaram mais tempo com os afazeres domésticos em comparação com os homens. Considerando o tempo médio dispendido em tais atividades, é possível afirmar que as mulheres dispensam 1,96 vez mais horas em trabalho não remunerado em comparação com os homens.

Considerando a idade dos indivíduos que mais recebem cuidados, restou demostrado que grande parte do trabalho de cuidar é voltado aos bebês e às crianças. Em suma, a maioria do cuidado realizado pelas mulheres é voltado ao atendimento das demandas de pessoas em idade infantil. Comparando mulheres e homens, elas são as maiores responsáveis por auxiliar nos cuidados pessoais, nas atividades educacionais, monitorar, ler, jogar, brincar, acompanhar e transportar. A maior diferença está no auxílio com os cuidados pessoais, atividade realizada por 40% das mulheres pesquisadas em contraste com apenas 20% dos homens consultados (MARCONDES E GARCIA, 2022).

Ao avaliar especificamente os afazeres com o lar, as mulheres foram a maioria no desempenho de todas as atividades, exceto na realização de pequenos reparos. “Entre as principais atividades desempenhadas pelas mulheres, destacam-se aquelas relacionadas à alimentação e à limpeza e manutenção de roupas e sapatos e de áreas do domicílio." Em suma, a mulher é responsável primária pelas atividades relacionadas ao cuidado com o lar (MARCONDES E GARCIA, 2022).

Sabendo que as mulheres realizam a maior parte do cuidado, principalmente quando se trata de bebês e de crianças, é mister discutir os efeitos que a carga de trabalho pode gerar em sua saúde, especialmente mental – destacando que a saúde mental pode ser entendida como um estado de bem-estar no qual a pessoa consegue realizar suas habilidades, sendo capaz de lidar com o estresse normal da vida, trabalhar produtivamente, conseguindo contribuir com sua comunidade.

Portanto, assim como a saúde física, a saúde mental vai além da ausência de doenças para incluir o completo bem-estar do indivíduo. Pensando a partir de uma visão completa de saúde, a saúde mental é a base para o bem-estar e funcionamento eficaz de um indivíduo e de uma comunidade.

A saúde mental se tornou uma das grandes pautas de discussão nas sociedades atuais. Tais discussões podem ser atribuídas à crescente dificuldade que os seres humanos encontram em manter sua saúde mental. Dessarte, Han (2017) esclarece que cada época possuiu suas enfermidades típicas, que no século XXI, são as doenças mentais.

A paisagem patológica hodierna é dominada pelas doenças mentais, tais quais a depressão, a ansiedade, e o transtorno de déficit de atenção com síndrome de hiperatividade. Na visão de Han (2017) as doenças atuais são marcadas pela positividade exacerbada, pela crença de que tudo é possível.

No século XX, a paisagem patológica dominante era a imunológica. Nesse momento era possível fazer distinções entre amigo e inimigo, estranho e próprio, ou seja, a forma de ser da imunidade é definida a partir da díade ataque e defesa. Porém, as sociedades atuais, locais de intercâmbios, se organizaram de forma afastar a reação imunológica (HAN, 2017).

Dessarte, nas sociedades pós-modernas, a violência é oriunda da positividade exacerbada e da massificação do positivo. A violência neuronal, como parte intrínseca ao sistema, não provoca defesa imunológica, deixando o indivíduo sem proteção (HAN, 2017, p.8).

Han (2017, p. 24) resgata a obra de Foucault para afirmar que a sociedade por ele descrita era determinada pela negatividade. Ao contrário, as sociedades atuais são determinadas pela positividade, razão pela qual a pressão por performar cada vez melhor não é externa, mas sim interna:

O excesso de trabalho e desempenho agudiza-se numa autoexploração. Essa é mais eficiente que uma exploração do outro, pois caminha de mãos dadas com o sentimento de liberdade. O explorador é ao mesmo tempo o explorado. (...) Essa autorreferencialidade gera uma liberdade paradoxal que, em virtude das estruturas coercitivas que lhe são inerentes, se transforma em violência. Os adoecimentos psíquicos da sociedade de desempenho são precisamente as manifestações patológicas dessa liberdade paradoxal (HAN, 2017).

Em tal cenário, as doenças mentais se originam da exploração que as pessoas praticam contra si mesmas, de um “cansaço de fazer e de poder”. Consequentemente, os sujeitos são coagidos por suas próprias crenças a produzir cada vez mais, sem nunca alcançar o repouso. Hodiernamente, os sujeitos insertos em sociedades pós-modernas, “vivem constantemente num sentimento de carência e de culpa. E visto que, em última instância, está concorrendo consigo mesmo, procura superar a si mesmo até sucumbir” (CORBANEZI, 2018).

No mais, é possível afirmar que as mulheres mães, marcadas pela pressão de desempenhar cada vez melhor as tarefas que são socialmente esperadas, e inseridas na sociedade do cansaço estão com sua saúde mental fragilizada. Nesse diapasão, Han (2017) esclarece que “cansaço da sociedade do desempenho é um cansaço solitário, que atua individualizando e isolando.”

Em uma sociedade caracterizada pelo cansaço e pela degradação da saúde mental, as mulheres cuidadoras estão em situação de vulnerabilidade. Isso ocorre em razão do fato das mulheres de serem as responsáveis pelo cuidado de si e pelo cuidado com o outro, principalmente com as novas gerações, que demandam grande quantidade de tempo e atenção para manterem a vida e a saúde. Essa sobrecarga, na visão de Santos e outros (2021), é responsável por gerar exaustão, ansiedade, entre outros problemas de saúde mental.

No mesmo sentido, Gálvez-Muñoz; Rodríguez-Modroño; Domínguez-Serrano (2011) asseveram que o excesso de trabalho do cuidado faz com que mulheres tenham menos tempo livre do que os homens, e essa diferença afetará suas capacidades e seu bem-estar.

Avaliando a relação entre a quantidade de afazeres e a saúde mental, Araújo e Pinho (2005; 2012) concluíram que as mulheres sobrecarregadas por trabalhos relacionados ao cuidar possuem mais transtornos mentais do que as mulheres que realizam menor quantidade de trabalhos relacionados ao cuidado.

As mulheres, quando comparadas com homens, são a população mais afetada por certos problemas na saúde mental, entre eles, a depressão. Em que pese ser possível apontar razões relacionadas ao sistema endócrino, pesquisas demonstram que a desigualdade de gênero e a consequente sobrecarga de trabalho doméstico e altas taxas de violência também são responsáveis pelo fato de os transtornos mentais serem prevalentes em mulheres (SENICATO; AZEVEDO; BARROS, 2018; ZANELLO; SILVA, 2012; ZANELLO, 2018; CAMPOS; ZANELLO, 2018).

Pensando sobre as razões que fazem a depressão ser predominante em mulheres, Campos e Rodrigues (2015) apontam que além de fatores hormonais, genéticos e do histórico familiar, é mister considerar as causas psicossociais, "historicamente ligados à maior vulnerabilidade social e dependência financeira; multiplicidade de papeis; problemas conjugais e familiares".

Rapoport e Piccinini (2006) asseveram que entre as mulheres que se tornaram mães, "as principais situações geradoras de estresse relacionaram-se ao cansaço, ao fato de ter a vida regrada pelos horários e necessidades do bebê e ao adoecimento deste." O compartilhamento do cuidado com os filhos gerou mães mais responsivas, principalmente em condições de estresse.

Apesar de várias mulheres se sentirem realizadas ao exercer as tarefas ligadas ao cuidado, muitas outras estão em sofrimento psíquico pela mesma razão. Além do sofrimento, muitas vezes silencioso, muitas mulheres se julgam anormais ou culpadas por não conseguirem realizar tais atividades com alegria (ZANELLO, 2018).

O sentimento de culpa é uma constante entre as mães, culpadas por cuidar demais, mas também culpadas quando sentem que cuidam menos do que deveriam ou quando não cuidam. Dessarte, Zanello e Porto (2016) esclarecem que os afetos das mulheres foram colonizados, e tal fato se traduz a partir do constante sentimento de culpa em relação ao desempenho das tarefas que foram naturalizadas como sendo femininas.

Recuperando o conceito de saúde como completo estado de bem-estar do indivíduo, Gaino e outros (2018) destacam que tal formulação foi ambiciosa no sentido de incluir na saúde aspectos físicos, mentais e sociais. Nesse sentido, ao incluir aspectos sociais, é impossível discutir saúde, mormente saúde mental, sem discutir a pesada carga que o cuidar representa na vida das mulheres.

É mister destacar que não pode haver bem-estar e, consequentemente, saúde, para mães que carregam, de forma constante, sofrimento psíquico por realizarem sozinhas todo o trabalho de cuidar. Em suma, a manutenção do bem-estar do corpo e da mente exige discutir a divisão social do trabalho de cuidar.

IV. O acesso à creches e pré-escolas no Recurso Extraordinário 1.008.166/SC: o direito humano à educação pensado a partir da ótica da necessidade de redes de apoio para auxiliar mulheres cuidadoras e preservar sua saúde mental

Evangelista e Constantino (2013) sustentam que a família desempenha a maioria dos cuidados que a criança necessita na primeira infância, entre eles os cuidados psicológicos e afetivos. Tais cuidados são complementados pelo sistema educacional a partir do acesso dos bebês e crianças às creches e pré-escolas.

A Constituição de 1988, documento responsável por constitucionalizar diversos direitos humanos internacionalmente previstos, trouxe, em seu art. 205, a afirmação de que o direito à educação é um direito de todos, dever do Estado e da família, promovida e incentivada com a colaboração de toda a sociedade.

Resta consignado no art. 208, IV, da Constituição Federal, que a obrigação do Estado em oferecer educação deve ser efetivada, entre outros, pela oferta de educação infantil, em creche e pré-escola, às crianças até 5 (cinco) anos de idade. Ante a quantidade de direitos sociais pendentes de aplicação, o Supremo Tribunal Federal foi chamado a discutir a efetivação do acesso ao direito à creche e à pré-escola. Em suma, o Tribunal foi chamado a discutir se o acesso à educação infantil pública e gratuita é direito subjetivo.

A controvérsia se originou a partir mandado de segurança impetrado em 2008, momento em que foi solicitado ao Município de Criciúma, localizado em Santa Catarina, que realizasse a matrícula de bebês com até 2 (dois) anos de idade em creches e de crianças com 3 (três) a 5 (cinco) anos de idade em pré-escolas municipais. A Secretaria de Educação de Criciúma negou a realização da matrícula pretendida ante a inexistência de vagas disponíveis. (STF, 2012)

No processo, o Município alegou que a inclusão de bebês e crianças na educação infantil não é um direito público subjetivo, ou seja, não é previsão constitucional que pode ser exigida de forma imediata pelos indivíduos. Nesse sentido, asseverou-se que o acesso à educação infantil é norma de cunho programático, a ser implementada pelo poder público na medida de suas escolhas políticas e econômicas (STF, 2012).

Após longo período de espera, o recurso extraordinário n. 1.008.166/SC foi julgado pelo Supremo Tribunal Federal. A decisão, tomada 22/09/2022, deixou consignado que a educação básica, incluindo a fase cursada em creches e pré-escolas, é um direito de todas as crianças:

1. A educação básica em todas as suas fases - educação infantil, ensino fundamental e ensino médio - constitui direito fundamental de todas as crianças e jovens, assegurado por normas constitucionais de eficácia plena e aplicabilidade direta e imediata. 2. A educação infantil compreende creche (de zero a 3 anos) e a pré-escola (de 4 a 5 anos). Sua oferta pelo Poder Público pode ser exigida individualmente, como no caso examinado neste processo. 3. O Poder Público tem o dever jurídico de dar efetividade integral às normas constitucionais sobre acesso à educação básica (STF, 2022a).

Sabendo que as decisões tomadas pelo Supremo Tribunal Federal na sistemática da repercussão geral podem ser aplicadas para outros processos pendentes com a mesma temática, necessário esclarecer que o julgamento da matéria já influenciou, de forma imediata, cerca de 28 mil processos pendentes de julgamento (STF, 2022b).

No mais, a decisão tomada pelo Tribunal será responsável por definir novos contornos no que tange ao acesso à educação infantil. Isso porque, a partir da citada decisão, restou definido que o acesso às creches e pré-escolas é direito subjetivo de todas as crianças, podendo ser garantido inclusive por via judicial (STF, 2022b).

Porém, além da importância de tal julgamento para o acesso à educação, é possível pensar a decisão a partir da perspectiva das principais responsáveis pelo cuidado: as mulheres. Comentando a importância do acesso às creches e pré-escolas para as mulheres cuidadoras, a Ministra Rosa Weber consignou que acessar tais serviços públicos é essencial para garantir "às mães segurança no exercício do direito ao trabalho e à família, em razão da maior vulnerabilidade das trabalhadoras na relação de emprego, devido às dificuldades para a conciliação dos projetos de vida pessoal, familiar e laboral" (STF, 2022b).

Além disso, restou clara a existência de uma divisão assimétrica da tarefa familiar de cuidar das gerações mais jovens. Portanto, ao assegurar o acesso à creche e à pré-escola é possível promover a liberdade e a igualdade de gênero:

Esse direito social tem correlação com os da liberdade e da igualdade de gênero, pois proporciona à mulher a possibilidade de ingressar ou retornar ao mercado de trabalho. Para a ministra, o direito à educação básica não pode ser interpretado como discricionariedade e sim como obrigação estatal, imposta sem condicionantes, configurando omissão a falta da sua prestação. Os recursos públicos devem ser bem geridos e, consequentemente, utilizados na aplicação do direito à educação (STF, 2022b).

A partir da fala da Ministra Rosa Weber, é possível perceber que o direito à educação está em conexão com os direitos à igualdade, à proteção à maternidade e à infância, com o direito ao trabalho, com à liberdade e com diversas outras garantias, insculpidas na Constitucional Federal e em documentos internacionais.

Portanto, o direito à educação deve ser pensado a partir de seu caráter multidimensional, capaz de espalhar seus efeitos para toda a sociedade e gerar benefícios para além daqueles que estão matriculados em creches e pré-escolas. Mister afirmar que os direitos humanos não podem ser pensados de forma estanque, mas sim de uma relação de conexão, onde a ausência da garantia de um direito impactará no pleno exercício de outro.

No mesmo sentido, o voto do Ministro Gilmar Mendes consignou que o direito à educação transcende a esfera de interesse das crianças, ou seja, a implementação de creches e pré-escolas, além de gerar benefício direto para os infantes, é capaz de gerar incremento na proteção dos direitos das mulheres e incentivar transformações sociais nas relações de gênero (STF, 2022c).

Sabendo que as mulheres são as principais responsáveis pelo trabalho do cuidado e que o cuidado com bebês e crianças são realizados majoritariamente por mulheres, o acesso às creches e às pré-escolas, além de ser garantia da efetivação do direito à educação sob a perspectiva da criança, também impacta profundamente a vida das mulheres cuidadoras.

De acordo com a interpretação dada a Constituição Federal no recurso extraordinário n. 1.008.166/SC, restou consignado que o Estado tem a obrigação de criar as vagas necessárias para que bebês e crianças possam ser matriculados instituições de ensino apropriadas para sua idade. Tal decisão realiza a obrigação estatal de criar mecanismos de proteção e reconhecimento da mulher em todas as suas esferas, uma vez que gestar e maternar não é uma carga exclusiva da mulher. Nesse sentido, Saffioti (1976) aduz que sendo “a sociedade interessada no nascimento e socialização de novas gerações como uma condição de sua própria sobrevivência, é ela que deve pagar pelo menos parte do preço da maternidade”

Nesse sentido, as creches e pré-escolas podem ser entendidas como redes de apoio, permitindo que parte do cuidado realizado pela família seja complementado no ambiente escolar. Portanto, a escola pode ser vista como "fonte de apoio social e afetivo e parte da rede de apoio dos indivíduos, mitigando o processo de vulnerabilidade, contribuindo para a sua superação e promovendo processos de resiliência" (SIQUEIRA, 2009).

As redes de apoio podem ser pensadas a partir de conceitos como cooperação, apoio, colaboração e trabalho em conjunto. Tais redes podem ser definidas como articulações entre pessoas e instituições diversas, incluindo "pessoas físicas a instituições públicas e / ou privadas que trabalhem de maneira conjunta e sistemática em prol de um mesmo objetivo, qual seja, atender as necessidades especificas da população-alvo" (BENDINELLI; PRIETO; ANDRADE, 2012).

As redes de apoio são de extrema importância para a manutenção das famílias e da rotina dos lares, seja com a partir do auxílio de parentes ou amigos, ou através de estabelecimentos escolares, que possibilitavam a mulher-mãe/mulher-cuidadora o exercício de outras atividades além da prestação do trabalho do cuidado (OLIVEIRA, 2020).

As mulheres, assim como os outros seres humanos, vivem em uma rede de relações que percorrem, entre outros, suas famílias, escola e comunidade. Nos citados ambientes, as pessoas constroem suas interações sociais. Essas relações aparecem como “oportunidades de desenvolvimento humano através da qualidade dos meios de subsistência” (JULIANO; YUNES, 2014).

Os seres humanos, seres notadamente sociais, desenvolvem laços, essenciais para superar momentos de crise. Portanto, as redes de apoio têm potencial de proteger a saúde mental e física dos seres humanos, além de promoverem a resiliência. A resiliência, por sua vez, “é essencial para o restabelecimento do equilíbrio perdido e demonstração de competência apesar da adversidade” (JULIANO; YUNES, 2014).

Sabendo que o "excesso de atividades e responsabilidades que as mães têm podem causar baixa autoestima, esgotamento físico e mental, culpa por não darem conta de tudo o que acreditam ser sua responsabilidade", as creches e pré-escolas, ao servirem como rede de apoio, tem o potencial de proteger a saúde mental das cuidadoras (SCHNEIDER; ACORSI, 2018).

Portanto, a existência de pessoas e instituições que oferecem apoio na realização do cuidado é um fator protetor e promotor da saúde física e mental. Sakiyama (2019) esclarece que maiores níveis de apoio estão associados com menores níveis de estresse e menor chance de presença de transtornos mentais comuns.

Em suma, é possível asseverar que as creches e pré-escolas, ao receberem bebês e crianças durante parte do dia ou em período integral, realizam parte do cuidado, aliviando a carga de trabalho socialmente esperada das cuidadoras principais e servindo como elemento de proteção da sua saúde mental.

No mais, conforme citado anteriormente, a Organização Internacional do Trabalho (2019) entende que o cuidado não remunerado é um dos principais obstáculos para maior participação das mulheres no mercado de trabalho. As creches e pré-escolas, ao se encarregarem dos infantes durante certo período, facilita o acesso da mulher ao mercado de trabalho. O acesso ao mercado, por sua vez, pode ser fator de proteção da saúde mental das mulheres cuidadoras.

O trabalho remunerado pode atuar na proteção da saúde mental na medida em que existe farta literatura que conecta a vivência restrita ao espaço do lar como favorecedora de desequilíbrios emocionais.4 Dessarte, Santos e Diniz (2018) apontam que o trabalho reprodutivo, a falta de autonomia pessoal e financeira e a invisibilização do cuidado circundam a vida de mulheres que trabalham exclusivamente no lar, favorecendo a manifestação de desequilíbrios afetivos, sociais e emocionais.

Insta salientar que ao favorecer a inserção no mercado de trabalho, ocorre aumento da renda da mulher cuidadora, fator que também está relacionado a preservação da saúde mental. Nesse sentido, estudos como o realizado por Senicato, Azevedo e Barros (2018), identificou que mulheres de baixa renda são mais vulneráveis aos transtornos mentais comuns.

O acesso às creches e pré-escolas também favorece que as mulheres se mantenham ou retornem à escola, o que por sua vez gerará melhores empregos e consequente aumento na renda. Conforme explicam Campos, Ramalho e Zanello (2017), "em uma sociedade letrada, a escolaridade desponta como uma possibilidade importante de empoderamento e mobilidade social."

Considerando a conexão entre escolaridade e transtornos mentais, Araújo e Pinho (2012, p. 34) afiançam que “o acesso à escola tem um efeito direto na saúde psicológica, pois aumenta a possibilidade de escolhas na vida e influencia a autoestima, a possibilidade de aumento da renda familiar, com consequente melhoria na qualidade de vida pessoal e familiar."

Além de protegerem a saúde mental das cuidadoras com o alívio no trabalho do cuidado, o acesso à creche e à pré-escola permite que tais mulheres dediquem parte de seu dia para tarefas sem relação com o fornecimento cuidado não remunerado para as novas gerações.

Portanto, é possível supor que existência de um serviço público de creches e pré-escolas poderá auxiliar no sentido de que as cuidadoras tenham mais tempo para trabalhar em outros projetos de vida que não estejam conectados com a função socialmente estabelecida de prover cuidados aos que dele necessitem. Mais tempo para perseguir projetos de vida, por conseguinte, significará mais bem-estar, parte essencial do conceito de saúde.

V. Considerações finais

Conforme discutido no decorrer do trabalho, o vocábulo cuidar não é unívoco. Cuidar é olhar com atenção, diligência e desvelo, é ato essencial para manutenção da vida. A capacidade de cuidar, culturalmente atribuída as mulheres, pertence à espécie humana considerada como todo.

Em que pese os homens serem capazes de oferecer cuidado, as mulheres são socialmente vistas como as principais responsáveis pela execução do trabalho de cuidar, principalmente em razão da sua capacidade de gestar. Portanto, elas realizam a maioria das atividades necessárias a manutenção da vida e do bem-estar dos bebês e crianças, carga que pode se tornar excessiva e gerar adoecimento para as cuidadoras.

Consoante o exposto na segunda parte do texto, é possível afirmar que mulheres sobrecarregadas por trabalhos relacionados ao cuidar possuem mais transtornos mentais quando comparadas com mulheres que dividem tais trabalhos de forma mais equânime. Dessarte, é possível asseverar que o excesso de tal trabalho pode se traduzir em malefícios para a saúde mental das cuidadoras.

Nesse sentido, ao determinar que o acesso às creches e pré-escolas é obrigação do poder público, o Supremo Tribunal Federal atuou no sentido de permitir socialização de parte do trabalho de cuidar. Além da garantia de acesso à educação, a decisão pode ser olhada a partir da ótica das cuidadoras, que ao deixarem bebês e crianças sob a responsabilidade de uma instituição de ensino, podem dividir a carga do trabalho de cuidar.

Portanto, o acesso às creches e pré-escolas tem o condão de auxiliar em uma melhor divisão do trabalho do cuidado, salvaguardando a saúde mental das cuidadoras ao socializar parte do cuidado através do acesso ao serviço público de educação, garantido constitucionalmente e reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal como obrigação do Estado.

No mais, é possível concluir que a decisão auxiliará na preservação da saúde mental das cuidadoras na medida em que as creches e pré-escolas passam a fazer parte da rede de apoio da cuidadora. As redes de apoio, por sua vez, mitigam processos de vulnerabilidade e podem atuar como fator de promoção da saúde mental.

Além do citado, o acesso às creches e pré-escolas influencia na saúde mental das cuidadoras na medida em que facilita sua inserção no mercado de trabalho, podendo, também, auxiliar na manutenção da cuidadora no ambiente escolar. Maior escolaridade e, por consequência, melhores salários, também são conectados com a manutenção da saúde mental. Por fim, conclui-se que a decisão exarada pelo Supremo Tribunal Federal permitirá que as cuidadoras invistam mais tempo em seus projetos de vida, algo essencial para manutenção do bem-estar e para preservação da saúde.

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1 Pós doutora em Direito pela Unisinos. Doutora em Direito pela Universidade de Roma Tre/Itália. Mestre em Direito pela Universidade de Santa Cruz do Sul – UNISC. Especialista em Demandas Sociais e Políticas Públicas também pela UNISC. Professora na Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul - UNIJUI, lecionando na Graduação em Direito e no Programa de Pós-Graduação em Direito - Mestrado e Doutorado. Membro da Rede Ibero-Americana de Direito Sanitário. Membro do Grupo de Pesquisa Biopolítica e Direitos Humanos (CNPq). Pesquisadora Gaúcha FAPERGS – PqG Edital n° 05/2019. Pesquisadora Universal CNPq – Edital CNPq/MCTI/FNDCT nº 18/2021. Editora-Chefe da Revista Direito em Debate. E-mail: janasturza@hotmail.com. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-9290-1380.

2 Doutora em Direito pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS). Mestre em Desenvolvimento e Direitos Humanos pela Universidade do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (UNIJUI). Pós doutoranda pelo Departamento de Ciências Jurídicas e Sociais da Università “G. D’Annunzio” di Chieti-Pescara. Professora Pesquisadora do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito - Mestrado e Doutorado em Direitos Humanos - da UNIJUÍ. Professora do Curso de Graduação em Direito da UNIJUÍ. Pesquisadora da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) - Edital nº 16/2020. Membra do Grupo de Pesquisa Biopolítica e Direitos Humanos (CNPq). E-mail: joice.gn@gmail.com. ORCID: https://orcid.org/0000-0003-3808-1064.

3 Mestra e Doutoranda em Direitos Humanos na Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul – UNIJUI. Professora de Direito Constitucional na UNESC/RO. Membro do Grupo de Pesquisa Biopolítica e Direitos Humanos. E-mail: melinabemfica@gmail.com. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-9290-1380.

4 Sobre o tema, consultar: Steiner, 2005; Vianna;Diniz, 2014; Senicato; Lima; Barros, 2016; Araújo; Almeida; Santana, (2006).