O fortalecimento das organizações diante da inclusão de pessoas com deficiência: um olhar a partir das experiências da Cotripal

Agropecuária Cooperativa

The strengthening of organizations in the face of the inclusion of people with disabilities: a look from the experiences of the Cotripal Agricultural Cooperative

Luana Carolina Bonfada1; Sérgio Luís Allebrandt2

DOI: https://doi.org/10.37767/2591-3476(2023)09

Fecha de envío: 30.06.2021

Fecha de aceptación: 18.09.2023

RESUMO:

O presente artigo visa averiguar se com o advento da Lei 13.146/2015 – Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência – cidadãos com incapacidade física ou intelectual passaram a integrar de maneira mais equânime e significativa o mercado de trabalho das organizações brasileiras. Inicialmente, faz-se uma análise do conceito de Pessoa com Deficiência, além da sua integração à legislação brasileira. A fim de evidenciar, ainda que minimamente, a realidade brasileira e, senão regional, realizou-se um breve estudo da Cotripal Agropecuária Cooperativa quanto à ocupação de cotas destinadas às pessoas com deficiência, através de pesquisa exploratória qualitativa, bem como o engrandecimento que isso tem proporcionado à organização desde a sua aderência. E, a partir da experiência da Cooperativa se pode verificar que ela serve de inspiração para outras organizações.

RESUMEN:

Este artículo tiene como objetivo averiguar si, con el advenimiento de la Ley 13.146/2015 – Ley Brasileña para la Inclusión de Personas con Discapacidad – los ciudadanos con discapacidad física o intelectual pasaron a integrarse de manera más equitativa y significativa al mercado laboral brasileño. organizaciones Inicialmente, se hace un análisis del concepto de Persona con Discapacidad, además de su integración en la legislación brasileña. Para resaltar, aunque sea mínimamente, la realidad brasileña y, si no regional, se realizó un breve estudio de Cotripal Agropecuária Cooperativa sobre la ocupación de cuotas destinadas a personas con discapacidad, a través de una investigación exploratoria cualitativa, así como el engrandecimiento que esto ha proporcionado a la organización desde que se unió. Y, en base a la experiencia de la Cooperativa, se puede ver que sirve de inspiración para otras organizaciones.

ABSTRACT

This article aims to find out if, with the advent of Law 13.146/2015 – Brazilian Law for the Inclusion of Persons with Disabilities – citizens with physical or intellectual disabilities began to integrate in a more equitable and meaningful way the labor market of Brazilian organizations. Initially, an analysis of the concept of Person with Disabilities is made, in addition to its integration into Brazilian legislation. In order to highlight, even if minimally, the Brazilian and, if not regional, reality, a brief study of Cotripal Agropecuária Cooperativa was carried out regarding the occupation of quotas destined to people with disabilities, through qualitative exploratory research, as well as the aggrandizement that this has provided to the organization since joining. And, based on the Cooperative's experience, it can be seen that it serves as an inspiration for other organizations.

PALAVRAS-CHAVE: Estatuto da Pessoa com Deficiência; Direito ao trabalho da Pessoa com Deficiência; Mudanças Organizacionais.

PALABRAS CLAVE: Estatuto de las Personas con Discapacidad; Derecho al trabajo de las Personas con Discapacidad; Cambios en la organización.

KEY WORDS: Statute of Persons with Disabilities; Right to work for Persons with Disabilities; Organizational Changes.

I. Introdução

A inclusão de pessoas com deficiência e/ ou de diferentes gêneros, etnias ou religiões é um problema histórico e que nas sociedades contemporâneas assume contornos e proporções globais, dada a sua abrangência e impactos junto a diversas culturas. Desse modo, frente à crescente necessidade de inclusão de diferentes grupos e minorias que a legislação mundial passou a prever os direitos desses cidadãos; elencando não apenas suas particularidades, mas principalmente a urgente observação quanto as suas necessidades.

Inicialmente, acima de qualquer previsão legislativa, pondera-se que no rol de direitos fundamentais do homem, previsto no artigo 5º, caput, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CF/88), todos são iguais perante a lei; sem distinção de qualquer natureza (Brasil, 1988). Corrobora o preceito constitucional, a Declaração da Organização das Nações Unidades (ONU), de 1948, que inovou a gramática dos Direitos Humanos, ao introduzir a concepção contemporânea dos direitos humanos, cujas marcas principais são a universalidade e a indivisibilidade desses direitos; exigindo, para a sua fruição, tão somente o fato de ser humano (Ribeiro, 2019).

No mesmo sentido, acrescenta Figueira (2021), quando aduz que ainda na década de 90 um novo conceito relacionado aos direitos das pessoas com deficiência surgiu: inclusão social. A partir da Resolução n. 45/91, da Assembleia Geral das Nações Unidas, tal termo começou a chamar mais atenção no Brasil, justamente por tratar de regras bem definidas de uma sociedade para todos, a partir da diversidade da raça humana, estruturada para atender às necessidades de cada cidadão, das maiorias às minorias, dos privilegiados aos marginalizados.

É dessa forma que, segundo Figueira (2021), incluem-se crianças, jovens e adultos com deficiência, os quais serão naturalmente incorporados à sociedade inclusiva, e todas trabalharão juntas, com papéis diferenciados, dividindo iguais responsabilidades por mudanças desejadas para atingir o bem comum. Já no sentido de esclarecer quais fatores contribuíram para com a estigmatização da pessoa com deficiência, Piccolo (2022); destaca a ignorância a aspectos de sua produção material e espiritual, sendo que toda a atenção se volta, historicamente, aos aspectos performativos da categoria. Tal percepção encontra respaldo, inclusive, em Murphy (1988: 140), quando apregoa que “a estigmatização é menos um subproduto da deficiência do que a sua substância”.

O que se verifica, portanto, é que, apesar de os estudos e as previsões legais acerca dos direitos das pessoas com deficiência se encontrarem em evolução, eles ainda carecem de aplicabilidade plena. Assim sendo, o presente estudo visa, inicialmente, à exposição da legislação que tange à proteção, aos direitos e deveres das pessoas com deficiência nos planos nacional e internacional – ainda que brevemente – bem como as formas de implementação de tais normativas no Brasil. No mesmo sentido, busca-se a especificação das referidas leis no que diz respeito ao direito ao trabalho das pessoas com deficiência, além dos parâmetros que norteiam a sua inclusão no mercado de trabalho das organizações brasileiras.

Assim, verifica-se que, a partir de breve análise de grandes marcas brasileiras e até mesmo das suas organizações, é significativo e engrandecedor o resultado da inclusão de pessoas com deficiência em seus respectivos mercados de trabalho. Bem como, pode-se observar que tais efeitos se concretizam com o passar dos anos, na medida em que cursos de formação e humanística vão sendo propiciados a todos os funcionários. O que se verifica é maior dificuldade no que tange à mudança de visão das demais pessoas, tornando a inclusão uma busca constante das organizações.

Dessa forma, verifica-se que a inclusão de pessoas com deficiência nos mercados de trabalho tem evoluído, de modo que o seu labor é reconhecido de forma satisfatória, além de atrair olhares de admiração a essas organizações. E, a fim de possibilitar melhor visualização dessa conquista social, trazem-se algumas das experiências da Cotripal Agropecuária Cooperativa, por meio de pesquisa exploratório-qualitativa, descrevendo como essa organização encontra-se hoje com diversas pessoas com deficiência em seu quadro de funcionários, desenvolvendo as mais diversas atividades, sejam elas de natureza física ou intelectual.

Por fim, o estudo pretende mostrar as contribuições que esses funcionários trouxeram à empresa ao longo dos anos; fazendo, inclusive, com que a Cooperativa servisse de exemplo a outros estabelecimentos locais e regionais. O que se pode perceber, portanto, é que o advento da Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (LBI) proporcionou significativas melhoras no trato com essas pessoas, especialmente no que diz respeito à forma de sua inclusão em todos os meios de convivência do ser humano.

Ademais, é perceptível que as previsões legislativas internacionais foram capazes de embasar, significativamente, tais direitos no Brasil. Em que pese o advento da LBI tenha ocorrido apenas no ano de 2015, sabe-se que a igualdade de todos, sem qualquer distinção, encontra-se prevista na Constituição Federal desde a sua promulgação, em 1988. Assim, com o presente estudo, busca-se evidenciar os pontos anteriormente elencados, ressaltando, sobretudo, a relevância da inclusão de todas as pessoas que convivem nos meios sociais, sem qualquer diferenciação, sob pena de retrocesso em relação ao reconhecimento e aplicabilidade de direitos fundamentais do ser humano.

II. Metodologia

A fim de possibilitar uma análise concreta dos dados, utilizou-se de pesquisa bibliográfica, legislativa, jurisprudencial e estatística. A pesquisa bibliográfica nada constitui-se a partir da leitura e processamento de material impresso, tais como obras já publicadas, sejam elas livros, capítulos ou artigos, e que permitiram conhecer e analisar o tema problema da pesquisa. Segundo Gil (2002), a principal vantagem da pesquisa bibliográfica reside no fato de permitir que investigador tenha acesso a uma gama de fenômenos muito mais ampla que aquela que poderia pesquisar diretamente. Já a pesquisa legislativa configura-se como processo e prática de análise de leis e fundamentos legais, neste caso, nacionais e internacionais, capazes de dar sustentação à fundamentação a ser elaborada. Ainda, a pesquisa jurisprudencial refere-se ao entendimento dos Tribunais Superiores, neste caso, os brasileiros, em relação à temática a ser estudada e, da mesma forma, capazes de engrandecer o estudo. Por fim, a coleta de dados se deu a partir da realização de pesquisa semiestruturada qualitativa, via diálogo estabelecido virtualmente com a coordenadora do Departamento de Recursos Humanos da Cotripal Agropecuária Cooperativa.

A escolha da referida cooperativa decorreu do fato de a pesquisadora principal ser filha de colaborador que atua há mais de 35 (trinta e cinco) anos na empresa. Ao longo desse tempo, teve contato com a significativa evolução da cooperativa no que tange aos aspectos sociais, éticos e humanitários pelas experiências e vivências, os quais eram relatados diariamente pelo seu genitor. A atual coordenadora do Departamento de Recursos Humanos foi quem contribuiu para com esta pesquisa, já que há anos está diretamente ligada à contratação de pessoas.

Quanto aos aspectos éticos, em que pese a pesquisa ter se declinado sobre o quadro pessoal da empresa, esta se deu de maneira genérica; ou seja, apenas em números estatísticos, sem qualquer identificação de pessoas e funcionários. Não se verifica, portanto, qualquer risco à empresa diante dos dados informados, até mesmo pela constatação de sua experiência positiva quanto à temática. E, apesar de o referido estudo não ter sido submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa (CEP), uma vez que se tratou, inicialmente, de pesquisa realizada para matéria acadêmica; esta pesquisadora esclareceu que a informante era dotada de total liberdade para não responder a qualquer questionamento, caso entendesse pertinente, o que não ocorreu em nenhum momento.

III. Histórico e evolução do conceito e da legislação referente à pessoa com deficiência e ao acesso do mercado de trabalho

1. A evolução da nomenclatura “pessoa com deficiência”

Inicialmente, faz-se necessário destacar os detalhamentos acerca do conceito de “pessoa com deficiência”, já que, especialmente no ordenamento jurídico brasileiro, não houve, desde o princípio, uma preocupação da Constituição Federal em fazê-lo. Ao longo dos anos, diante das mudanças legislativas que passaram a reger o tema, especialmente no Brasil, verificou-se uma evolução quanto à terminologia. Por conseguinte, verificou-se, a partir da Convenção da ONU, em 1948, que se passou a utilizar a denominação “pessoa com deficiência”, e não mais “pessoa portadora de deficiência”; dando-se ênfase à palavra “pessoa”. Assim, o que se percebe, de modo flagrante, é o evidente progresso na nomenclatura.

Conforme Ribeiro (2019), o conceito de pessoa com deficiência surgiu na legislação brasileira em um primeiro momento, com o Decreto 3.289/1999, que regulamentou a Lei 7.853/1989 e trouxe, no artigo 3º, a definição de deficiência, de deficiência permanente e de incapacidade. Ainda segundo o autor:

A Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (CDPD), da mesma forma conhecida como Convenção de Nova Iorque, incorporada ao ordenamento jurídico brasileiro através do Decreto Legislativo nº 186/2008 e do Decreto Presidencial nº 6.949/2009, com equivalência de emenda constitucional (art. 5º, parágrafo 3º, da CF/88), conceitua pessoa com deficiência no artigo 1º, redação que foi levemente alterada, e seguida na Lei de Inclusão da Pessoa com Deficiência- Estatuto da Pessoa com Deficiência- com entrada em vigor a nível nacional no dia 02 de janeiro de 2016 (Ribeiro, 2019: 483).

A partir de então, direcionando-se à análise do previsto na legislação em vigor, o conceito de pessoa com deficiência passou a ser definido como o relativo àquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial que, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir a sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. Dessa forma, o modelo médico para aferição foi abandonado, passando-se a adotar o modelo social que, concebido conforme o paradigma da inclusão instituído pela nova sistemática avaliatória da Organização Mundial de Saúde (OMS), criada em maio de 2001; que leva em consideração o ambiente, ou seja, o meio social em que a pessoa está inserida.

Oportunamente, destaca-se que a evolução da nomenclatura revela aguda observação e valorização de maneira mais significativa do “ser humano”, da “pessoa", o que se configura como ação digna de aplausos. Isso posto, conforme aduz Figueira (2021), desde os primórdios indígenas, os aleijados e deformados fisicamente eram severamente rejeitados, quando não oferecidos em sacrífico a fim de purgação social baseada em rituais de purificação. Evidencia-se, portanto, que o olhar humanitário às pessoas com deficiência, iniciando-se pela sua nomenclatura, encontra-se lastreado do conjunto de transformações sociopolíticas do século XXI e no processo de evolução do conjunto de políticas públicas que o permeia.

Verifica-se, portanto, que a condição de deficiência de qualquer pessoa deixou de ser atribuição tão somente sua, passando a ser compartilhada com as condições dos meios em que se encontra e em que vive. Em outras palavras, as barreiras encontradas nesses locais contribuem, direta ou indiretamente, para que as suas dificuldades sejam amenizadas ou acentuadas. A exemplo clássico, tem-se o caso do deficiente físico que utiliza cadeira de rodas: caso haja, nos locais em que se desloca e circula, rampas de acesso, é possível presumir que suas dificuldades sejam amenizadas. Caso tal item de acessibilidade não seja observado, é possível que sua locomoção e mobilidade sejam sensivelmente prejudicadas, quando não impedidas.

2. A relevância da legislação internacional

É importante ressaltar, igualmente, o quão relevante é a legislação internacional de proteção às pessoas com deficiência para o ordenamento jurídico brasileiro. Afinal, é preciso manter não apenas o “diálogo das fontes”, mas, também, o “diálogo das Cortes” (Ramos, apud Ribeiro, 2019: 504). É preciso, pois, referir-se à necessidade de uso da jurisprudência internacional como referencial na tomada de decisões das Cortes brasileiras, especialmente o Supremo Tribunal Federal (STF). Além disso, a própria LBI prevê que a Convenção da ONU sobre Direitos das Pessoas com Deficiência deverá servir sempre como parâmetro ao intérprete, sem prejuízo da harmonização com a Constituição Federal de 1988 e em relação às demais leis pertinentes que não tenham sido revogadas (Ribeiro, 2019).

Nesse sentido, é fundamental o questionamento acerca da importância da Convenção da ONU, bem como de sua relevância, para o ordenamento jurídico brasileiro. Para tanto, conforme o autor supracitado, notabiliza-se o documento internacional como referencial legal, uma vez que, a partir da concepção contemporânea criada pela Convenção,

a universalização dos direitos humanos permitiu o surgimento de um sistema internacional de proteção, integrado por tratados internacionais mais amplos (denominado “sistema ONU” ou “onusiano”) como, por exemplo, o Pacto de Direitos Civis e Políticos e a Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência, e ao lado dele surgiram sistemas regionais de proteção integrados por documentos internacionais de alcance especial, que buscam internacionalizar os direitos humanos [...] (Ribeiro, 2019: 493).

Nota-se, assim, que havendo a interligação desses mecanismos protetivos, de modo que sejam observados em nível mundial, tem-se proteção e inclusão mais efetivas das pessoas com deficiência. E ainda que pese haver a necessidade de normas que prevejam os direitos desses cidadãos, como, por exemplo, o direito ao trabalho, deve-se louvar a existência de tais normativas, inclusive em âmbito internacional, já que, certamente, caso não se lograsse contar com a existência de tais leis, o acesso e o desfrute dos respectivos direitos seria ainda mais precário, ou mesmo inexistente.

Torna-se, pois, evidente que a legislação internacional, especialmente a Convenção da ONU que trata dos Direitos da Pessoa com Deficiência, serviu e ainda serve de embasamento ao ordenamento jurídico brasileiro. Além disso, mais do que servir de fundamento, ela foi incorporada àquele com equivalência de Emenda Constitucional (art. 5º, parágrafo 3º da CF/88). O que, porém, isso significa? Basicamente, que ela integra o bloco de constitucionalidade3, modificando o sistema do direito interno e, assim, não poderá ser denunciada (desistir de fazer parte dela) por iniciativa presidencial nem mesmo mediante Projeto de Denúncia elaborado pelo Congresso Nacional. Caso o Presidente da República descumpra essa regra, ele poderá ser responsabilizado, uma vez que a equivalência à Emenda Constitucional é cláusula pétrea4 do texto constitucional.

Em vista disso, é indubitável a relevância que as normativas internacionais possuem no âmbito interno brasileiro. Ademais, o que se percebe é que estas foram políticas públicas pioneiras a tratarem do tema, de modo que, consequentemente, se robustecem com o passar do tempo e diante da sobrevinda de novos anseios. A partir do conhecimento da importância de tais legislações, especialmente porque servem de embasamento e foram incorporadas ao ordenamento jurídico brasileiro; é que se torna digno o destaque a detalhes da LBI, ainda que infimamente.

3. A contribuição à legislação brasileira

Como já referido, o Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei n. 13.146/2015) entrou em vigor apenas em 02 de janeiro de 2016. E, apesar da relevância da incorporação da Convenção da ONU à legislação brasileira, aquele trouxe várias inovações ao rol de direitos e garantias das pessoas com deficiência. Dentre elas, destaca-se, excepcionalmente, a alteração do modelo de capacidade civil do Código Civil brasileiro, que passou a prever, como única causa de absoluta incapacidade, a idade inferior a 16 anos.

Anteriormente às alterações promovidas pelo Código Civil e incorporadas ao Estatuto da Pessoa com Deficiência, o que se tinha era a consideração de que as pessoas, por enfermidade ou deficiência intelectual, ou ainda que não tivessem o necessário discernimento para a prática desses atos; mesmo os que por causa transitória não pudessem exprimir a sua vontade, eram totalmente incapazes. Percebe-se, assim, uma considerável mudança de paradigma ao prever que as pessoas com deficiência são relativamente incapazes; e que, além disso, caso desejem, para determinados atos poderão contar com a “tomada de decisão apoiada”, que nada mais é que:

O direito de o beneficiário (denominado “pessoa apoiada”) conservar sua capacidade de fato e em alguns casos definidos contar com a participação e colaboração de “apoiadores” por ela eleitos, sendo que a decisão tomada pela pessoa apoiada terá validade e efeitos perante terceiros, sem restrição, quando inserida nos limites do apoio acordado (art. 1.783-A, Código Civil brasileiro) (Ribeiro, 2019: 523).

O que se verifica, por conseguinte, é que com o advento do Estatuto da Pessoa com Deficiência, a previsibilidade de tais direitos e garantias no Brasil tomou outra proporção. E, assim sendo, é indiscutível que o exercício dos direitos humanos no Brasil engrandeceu; uma vez que a inclusão de tais cidadãos e a possibilidade de não serem considerados totalmente incapazes, e que mesmo sendo vistos como relativamente incapazes, em momento algum deixam de ser cidadãos de direito, é de suma relevância para que se atinja ao máximo o exercício da cidadania.

4. Direito ao trabalho das pessoas com deficiência

É nesse ínterim que o estudo se aprofunda e é direcionado à previsão do direito ao trabalho das pessoas com deficiência. A Constituição Federal de 1988, acima de qualquer lei, prevê que um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito é o reconhecimento dos valores sociais do trabalho (art. 1º, inciso IV, da CF/88), que também serve de base para a ordem social (art. 193 da CF/88). (Ribeiro, 2019: 546). Assim sendo, o exercício do direito ao trabalho pelo indivíduo com deficiência é estruturado com base em princípios, como o da dignidade humana e o de igualdade de condições de acesso e oportunidades ao trabalho.

Arquitetado com base em tais princípios, o direito ao trabalho da pessoa com deficiência presume a admissão sem qualquer conduta discriminatória, além de equidade salarial. Destaca-se que a previsão de discriminação contra a pessoa com deficiência e a equiparação de oportunidades são dois princípios importantes consagrados pela Convenção de Nova Iorque (art. 27, LBI) e estruturantes para as demais garantias previstas (Ribeiro, 2019). Entretanto, é de extrema relevância ao prever o direito ao trabalho da pessoa com deficiência é a previsão de que o exercício ocorra de maneira competitiva.

O mesmo caráter competitivo do acesso às oportunidades de emprego por pessoas com deficiência demonstra a equidade de condições. O texto legal, em um momento inicial, denota estranheza e surpresa quanto ao caráter competitivo; contudo, após analisar o dispositivo, verifica-se que a intenção do legislador foi justamente a de proporcionar direitos iguais a todos, independentemente de qualquer distinção. Nesse sentido, inclusive, aduz Ribeiro (2019: 547) que

Um modo de inclusão da pessoa com deficiência no trabalho é a colocação competitiva, em igualdade de condições com os demais e que deve atender toda legislação trabalhista e previdenciária [...], lembrando que a recusa em realizar essa adaptação razoável e o fornecimento de tecnologia assistiva significam discriminar por motivo de deficiência (art. 4º, parágrafo 1º, parte final da LBI), o que pode caracterizar o crime previsto no art. 88 da LBI.

Além disso, é relevante ponderar que a própria Carta Magna prevê que a administração pública, direta e indiretamente decorrente de qualquer um dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, deve obedecer aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. A lei reserva, ainda, o percentual dos cargos e empregos públicos para as pessoas com deficiência e define os critérios para o processo de sua admissão. Além, portanto, da previsão constitucional acerca de vagas destinadas às pessoas com deficiência à frente de seus órgãos, tem-se, da mesma forma, o percentual destinado à sua ocupação nas organizações privadas.

O que se busca, elencando este aparato de previsões legislativas, é evidenciar que, seja no setor público, por meio de concursos públicos, ou no setor privado, pela observância de porcentagens a serem ocupadas, a pessoa com deficiência possui direito ao trabalho amplamente assegurado de maneira competitiva. Ao analisar a LBI, especificamente no que tange ao direito ao trabalho, verifica-se que a atividade deve se dar em ambiente acessível e inclusivo, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, de modo que, inclusive, a pessoa com deficiência possa exprimir a sua livre escolha e aceitação, deixando claro, então, o caráter competitivo.

Para que o caráter competitivo seja efetivo, deve-se atentar às diretrizes da colocação competitiva, que se encontram previstas nos artigos 37 da LBI, e 22 da Resolução 230/16, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que, segundo Lopez (2020: 161), são:

I. Prioridade no atendimento à pessoa com deficiência com maior dificuldade de inserção no campo de trabalho;

II. previsão de suportes individualizados que atendam às necessidades específicas da pessoa com deficiência, inclusive a disponibilização de recursos de tecnologia assistiva, de agente facilitador e de apoio no ambiente de trabalho;

III. respeito ao perfil vocacional e ao interesse da pessoa com deficiência apoiada;

IV. oferta de aconselhamento e de apoio aos empregadores, com vistas à definição de estratégias de inclusão e de superação de barreiras, inclusive atitudinais;

V. realização de avaliações periódicas;

VI. articulação intersetorial das políticas públicas; e

VII. possibilidade de participação de organizações da sociedade civil.

Uma análise minuciosa das referidas diretrizes, permite-nos observa que o intuito é o de determinar que a pessoa com deficiência tenha acesso ao trabalho de maneira igualitária às demais e que, inclusive, isso se dê por intermédio dos meios utilizados, por exemplo, com a eliminação de barreiras. Sob outro aspecto, também refere Lopez (2020), que o artigo 8º da Lei Federal 7.853/1989 – que dispõe acerca do apoio às pessoas portadoras de deficiência e sua integração social – preveja a constituição de crime, punível com reclusão de dois a cinco anos, além de multa: impedir, ou mesmo, inviabilizar, inscrição em concurso público, assim como acesso de alguém a cargo ou emprego público, em decorrência de sua condição ou deficiência, bem como negar ou impedir a contratação, o emprego, trabalho ou promoção a qualquer indivíduo tendo como referência sua deficiência.

Ademais, no próprio Estatuto da Pessoa com Deficiência tem-se que da mesma forma se constitui crime a prática de induzir ou incitar discriminação da pessoa em razão de sua deficiência. Além disso, o Estatuto promoveu a alteração da Lei 7.853/1989, inovando e trazendo a previsão de crime ao ato de obstar o acesso a emprego ou cargo público a alguém em razão de sua deficiência. Verifica-se, portanto, que a legislação é primordial por trazer a previsão de conduta criminosa dos atos que dificultem ou inibam o acesso ao trabalho a qualquer pessoa em razão de deficiência, já que o trabalho é direito assegurado, acima de tudo, constitucionalmente, e em igualdade de condições.

Tendo em vista que o direito ao trabalho é constitucionalmente assegurado e que deve ser proporcionado a todos, sem qualquer distinção, independentemente, inclusive, de condição especial, é necessário destacar que o acesso ao emprego deve se dar de maneira igualitária, tanto no setor público quanto no privado. Em razão desses ordenamentos, foram criadas as cotas de ocupação para pessoas com deficiência, a serem observadas pelas empresas do setor privado. O que se tem em vigor hoje, então, de acordo com o Decreto nº 3.298/1999 e a Lei nº 8.213/1991 é a previsão de que:

Art. 93. A empresa com 100 (cem) ou mais empregados está obrigada a preencher de 2% (dois por cento) a 5% (cinco por cento) dos seus cargos com beneficiários reabilitados ou pessoas portadoras de deficiência, habilitadas, na seguinte proporção:

I. até 200 empregados.............................................................2%;

II. de 201 a 500...........................................................................3%;

III. de 501 a 1.000........................................................................4%;

I. de 1.001 em diante. ...............................................................5%;

II. (VETADO). (Incluído pela Lei nº 13.146, de 2015). (Brasil, 1991).

Dessa forma, o que se percebe é a necessidade, a partir do advento do Estatuto da Pessoa com Deficiência, de as empresas do setor privado também se adequarem, propiciando maior inclusão e acesso ao trabalho às pessoas com deficiência. Dessa forma, a necessidade de previsão de cotas evidencia que antes dessa determinação, muito provavelmente, o direito da pessoa com deficiência passava despercebido, até porque, certamente, a provisão desse direito, demanda inúmeros esforços, além de mudanças, tanto financeiras quanto pessoais, de seu funcionalismo. No entanto, apesar da exigência legal, sabe-se que até os dias de hoje as empresas caminham em busca de adequações e que, possivelmente, este será um trabalho constante de todos os setores; já que se trata, propriamente, de uma espécie de quebra de barreiras e paradigmas, tendente a evoluir com o passar do tempo.

É frente a esses desafios e demandas que o Tribunal Superior do Trabalho (TST) tem se firmado no sentido de que, caso as empresas se esforcem para que a ocupação das cotas seja atingida com efetividade, não haja a incidência de multas ou penalidades diante de motivos alheios à sua vontade:

Agravo de instrumento. Recurso de revista. Acórdão Recorrido publicado após a vigência da Lei nº 13.467/2017. Preenchimento de vagas destinadas a pessoas com deficiência ou reabilitadas – artigo 93 da Lei nº 8.213/1991 – descumprimento do percentual por motivos alheios à vontade da empresa – impossibilidade de aplicação de multa – desconstituição do auto de infração. Transcendência da causa não evidenciada. O processamento do recurso de revista na vigência da Lei nº 13.467/2017 exige que a causa apresente transcendência com relação aos aspectos de natureza econômica, política, social ou jurídica (artigo 896-A da CLT). Sucede que, pelo prisma da transcendência, o recurso de revista não atende a nenhum dos requisitos referidos. No tocante, especificamente, à transcendência política, cumpre ressaltar que não restou demonstrada contrariedade à súmula, orientação jurisprudencial, precedentes de observância obrigatória e jurisprudência atual, iterativa e notória do TST. Também não trata de matéria em que haja divergência atual entre as Turmas do TST, a recomendar o controle da decisão recorrida. Destaque-se que a jurisprudência desta Corte Superior se orienta no sentido de que não é possível a condenação da empresa pelo não preenchimento das vagas destinadas, pela Lei nº 8.213/91, a pessoas com deficiência ou reabilitados quando restar demonstrado que tal empresa empreendeu todos os esforços possíveis para a ocupação das vagas, deixando de cumprir por motivos alheios a sua vontade, hipótese dos autos (precedentes). Efetivamente, o quadro fático delineado no acórdão regional revela que a empresa agiu de maneira proativa para alcançar o preenchimento das vagas destinadas a pessoas com deficiência ou reabilitadas, de modo que o preenchimento da cota só não foi cumprido por motivos alheios à sua vontade. Deste modo, estando a decisão recorrida em consonância com a jurisprudência desta corte, descabido o processamento do recurso de revista, ante os termos do artigo 896, § 7º, da CLT, e da Súmula nº 333, do TST, inclusive com base em dissenso pretoriano. Agravo de instrumento desprovido (Grifo nosso). (TST. Tribunal Superior do Trabalho. AIRR-297-40.2020.5.12.0036, 7ª Turma, Relator Ministro Renato de Lacerda Paiva, DEJT 03/06/2022).

A legislação, portanto, é incisiva ao prever o percentual de cotas destinado às pessoas com deficiência. Trata-se de uma dádiva para o efetivo alcance dos direitos do homem, já que anteriormente ao advento da Lei Brasileira de Inclusão (LBI) eram raras as organizações que cumpriam o seu papel, estando de acordo com a difícil realidade em se efetivar tais direitos.

Por conseguinte, de maneira a engrandecer ainda mais o aparato legal acerca do direito ao trabalho da pessoa com deficiência, faz-se necessário ponderar que grandes nomes brasileiros, excepcionalmente da arte, trazem pessoas com deficiência. A exemplo, tem-se o ilustre Antônio Francisco Lisboa, conhecido por “Aleijadinho" que foi um dos escultores brasileiros mais significativos. Ainda que apresentasse deformidades decorrentes de uma artrite reumatoide e que lhe acometiam suas ações, foi capaz de concluir obras histórias para o aparato brasileiro, figurando entre um dos maiores escultores brasileiros e um dos nomes mais expressivos do Barroco latino-americano (Figueira, 2021).

Ou seja, ao longo deste estudo é perceptível que, além de incontestável que o Estatuto da Pessoa com Deficiência contribuiu e agregou sobremaneira ao processo de efetivação do exercício dos Direitos Humanos no Brasil, é possível que as pessoas com deficiência sejam destaques das áreas que passem a atuar. E, apesar de o progresso quanto a este reconhecimento ser lento, cabe enaltecer as grandiosas conquistas alcançadas por meio da legislação, uma vez que diversas pessoas com deficiência que servem de inspiração.

Nesse sentido, e tendo em vista a relevância de demonstrar como essa mudança de visão vem ocorrendo no dia a dia, especialmente em meio às organizações, ilustra-se, ainda que brevemente, as experiências da Cotripal Agropecuária Cooperativa – empresa com sede e filiais situadas, principalmente, na região noroeste do estado do Rio Grande do Sul – e que, desde o advento do Estatuto da Pessoa com Deficiência, busca alcançar com totalidade o exigido pela legislação no que tange ao preenchimento das cotas destinadas a pessoas com deficiência.

IV. Análise dos resultados

O que se pode verificar nitidamente e que merece ser destacado de maneira preliminar é que a referida organização é verdadeiro exemplo às outras empresas no que tange à inclusão de pessoas com deficiência em seu quadro de funcionários. Tal destaque se justifica pelo fato de que, mesmo antes do advento da Lei Brasileira de Inclusão (LBI), ainda em 2012, a Cooperativa já iniciava seus projetos de inclusão a partir do convite ao auditor do Ministério do Trabalho que fiscalizava as atividades da empresa na época. Desde então, houve a regulamentação educativa e, a partir disso, a inclusão das pessoas com deficiência foi acontecendo progressivamente. E se em 2012 a Cooperativa contava com apenas seis funcionários com deficiência, atualmente o número desses trabalhadores é de 116 pessoas.

No que diz respeito ao reconhecimento que a inclusão das pessoas com deficiência pela Cotripal recebe da sociedade em que se encontra inserida, deve-se destacar que o Programa de Inclusão da Cooperativa foi premiado como Case de Sucesso das Associações de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAEs), em evento sediado na cidade de Santa Cruz do Sul/RS, por seu exponencial programa inclusivo.

No que tange à capacitação e formação dos funcionários como um todo para atuarem com colegas com deficiência, percebeu-se, com o passar do tempo, que a Cotripal não possuía equipe apta para acolher e interagir junto a esse público. Dessa forma, a organização tem buscado a formação, excepcionalmente humanizada, dos gestores que estão à frente de cada setor; além da definição de um funcionário monitor para cada área que possibilite o conhecimento das reais necessidades e desafios lá encontrados. Somente assim a inclusão poderá se dar de maneira efetiva e engrandecedora, tanto para os demais funcionários quanto para aquele que possui alguma deficiência. É perceptível, portanto, que quando não satisfeita com os resultados, a Cotripal permanece aprimorando e ofertando possibilidades para os seus colaboradores, de maneira que a inclusão social seja cada vez mais efetiva e significativa.

Quanto à inclusão da pessoa com deficiência na Cooperativa, destaca-se que esse processo se inicia antes mesmo da sua jornada laborativa, ou seja, seus primeiros passos ocorrem ainda durante a etapa de seleção. Isto é, a Cooperativa não realiza chamamento de pessoas com deficiência, mas permite que, após a sua indicação/primeiro contato, e conhecendo a organização, ela possa optar pelo setor onde melhor se adeque. Além disso, ressaltou-se que a progressão da inclusão também se deu pelo fato de a empresa estar sempre de acordo com as previsões legais, uma vez que a fiscalização do Ministério do Trabalho é intensiva e constante.

Desse modo, é perceptível, em todo esse processo, outro princípio norteador da inclusão da pessoa com deficiência, uma vez que a Cotripal prioriza a palavra e o desejo da pessoa a ser incluída. Ou seja, seus interesses, enquanto organização, não se sobrepõem àqueles da pessoa que iniciará seu labor, por mais que seja pessoa com deficiência. Dessa maneira, pode-se afirmar que a Cooperativa em comento realmente tem percepção do que se trata a inclusão social.

Quanto à efetividade da fiscalização por parte de órgãos superiores, houve menção de que ela ocorre com frequência, e que o fato de a empresa estar à frente de diversos programas de inclusão da sociedade panambiense, e até mesmo ser integrante da diretoria da APAE de Panambi, facilita o seu trabalho na Cooperativa. Destacou-se também que a empresa sofreu uma única vez uma pequena penalidade pecuniária, em um período em que não logrou êxito em captar essas pessoas e, concomitantemente, houve muitas demissões. Ressaltou-se ainda que a demissão em última instância e que todo o trabalho do RH é auxiliado por Assistente Social, que tenta sempre averiguar os motivos pelos quais não se verifica a adaptação do funcionário, de maneira a proporcionar até mesmo a sua realocação para outros setores.

No que diz respeito à participação dos demais colegas no processo de inclusão das pessoas com deficiência, a entrevistada revelou-nos que esse é um processo desafiador, já que, se por motivos diversos o funcionário monitor desista de ocupar tal posição, o que faz com que a organização esteja sempre preparando pessoas novas para tal função a fim de que nenhum setor fique desassistido. Adicionou que a Cooperativa sempre teve programas para proporcionar formação aos funcionários no que tange à inclusão, a exemplo do Auxílio Inclusão – suspenso durante a pandemia da Covid-19 – além do curso de Libras, palestras e formação de gestores. Ademais, finalizou aduzindo que, atualmente, a Cotripal conta com mais funcionários com deficiência intelectual do que física, e citou o exemplo da filial de Ijuí, que conta com 18 profissionais com deficiência, enquanto a exigência legal seria de apenas 11 trabalhadores.

Dessa maneira, igualmente, pode-se concluir que a Cotripal dá ensejo a ser exemplo para demais organizações. Não apenas pelo fato de que em uma de suas filiais o número de trabalhadores com deficiência supera o exigido por lei, mas justamente porque propicia às pessoas com deficiência e aos demais funcionários, condições e políticas organizacionais que propiciam e efetivam processos para que a inclusão social ocorra de maneira permanente e empática.

Por conseguinte, a entrevistada destacou que “[...] há um diálogo constante entre as empresas, especialmente aquelas localizadas em Panambi, para com a Cotripal”. Finalizou sua participação, citando uma fala do auditor do Ministério do Trabalho que fiscaliza a Cooperativa: “Se você quiser saber de um Programa de Inclusão que funciona, converse com a Cris do RH da Cotripal”.

Percebe-se, por conseguinte, que a Cotripal Agropecuária Cooperativa, antes mesmo do advento da Lei Brasileira de Inclusão (LBI) desenvolvia programas que visavam à formação dos funcionários em relação ao processo de inclusão de pessoas com deficiência. Nota-se, da mesma forma, que a inclusão é uma constante dentre os objetivos da organização. Isso é constatado na ocupação de praticamente a totalidade do número de vagas destinadas às cotas de pessoas com deficiência – hoje há nos quadros 116 funcionários, além de três aprendizes – que não são incluídos como cota de “Pessoa com Deficiência” (PCD) – sendo que a exigência atual é de que haja 119 funcionários com deficiência.

Outro fator corroborante de tal aspecto é que, além de promover a inclusão da pessoa com deficiência, a Cotripal prioriza que esse processo ocorra de maneira empática e com auxílio de profissionais capacitados para tanto. Ou seja, a disponibilidade de Assistente Social e Psicólogo junto ao setor de Recursos Humanos e a formação dos demais funcionários para a atuação com pessoas com deficiência, possibilita que o acolhimento ocorra de maneira qualificada, pautada pelo respeito e reconhecimento. Dessa forma, para além de ser benéfica à própria Cooperativa, a imagem produzida pela maneira com que se promove a inclusão social na /pela organização, notabiliza sua importância para a sociedade como um todo enquanto espelho de empresa comprometida e valorizadora da diversidade humana.

V. Considerações finais

Tendo em vista que o objetivo precípuo da presente pesquisa era averiguar como se deu o processo de inclusão das pessoas com deficiência ao mercado de trabalho com o advento do Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei Federal 13.146/15), evidencia-se que o estudo logrou êxito, uma vez que, a partir da coleta de dados realizada junto a Cotripal Cooperativa Agropecuária, pôde-se concluir que muito antes da sobrevinda do referido Estatuto, a empresa já desenvolvia programas de inclusão social. Em que pese o estudo dedicar-se à análise de apenas uma cooperativa regional, pondera-se que a Cotripal conta com diversas filiais espalhadas pela região noroeste do estado do Rio Grande do Sul, o que torna seus dados relevantes.

A pesquisa evidenciou, de forma clara, que o Brasil conta, atualmente, com vasto arcabouço jurídico de proteção aos direitos da pessoa com deficiência. É visível, da mesma forma, a significativa contribuição que a legislação internacional forneceu para que esse avanço legislativo fosse possível, principalmente por estar integrada à legislação brasileira – a exemplo da Convenção da ONU acerca dos Direitos da Pessoa com Deficiência. Assim, a previsão legal de tais direitos e garantias repercute desde a Constituição Federal de 1988 até a legislação infraconstitucional em que se encontra o Estatuto da Pessoa com Deficiência.

Além disso, não obstante o entendimento de ser uma lástima a necessidade de previsão legislativa para que tais direitos e garantias sejam realmente assegurados, ressalta-se a relevância de se usufruir, hoje, de um sistema detalhista acerca da temática. O Estatuto da Pessoa com Deficiência trata desde os princípios que devem ser observados quando das relações com estes cidadãos; até a previsão dos crimes quando condutas, comissivas ou omissivas, violam os direitos e garantias das pessoas com deficiência.

Relevantes aspectos legais, outrossim, beneficiaram as pessoas com deficiência, especialmente a partir da vigência da Lei Brasileira de Inclusão (LBI). Por conseguinte. conforme já ponderado, destaca-se a alteração promovida no Código Civil brasileiro, que passou a prever que pessoas com deficiência são consideradas “relativamente” incapazes, e não mais “totalmente”. Além disso, o acréscimo da previsão de tomada de decisão apoiada, que nada mais é do que a opção de a pessoa com deficiência contar com auxílio de terceiros, por ela escolhidos, para o auxílio de determinadas atividades; demonstra a possibilidade de dar ao próprio titular da deficiência o direito de agir autonomamente.

Desse modo, pondera-se, ainda, que o acesso ao trabalho por indivíduos com deficiência sem qualquer distinção e de maneira competitiva, acresceu significativamente na inclusão de tais pessoas. Certamente, o aspecto da competitividade, excepcionalmente, é um marco para o exercício de tal direito/garantia. A visualização da possibilidade desse exercício do trabalho é, da mesma forma, um progresso do legislador que entende ser exequível, na prática, o referido direito.

A partir da coleta de dados realizada com base nas experiências da Cotripal Agropecuária Cooperativa, verificou-se que a efetivação dos direitos da pessoa com deficiência no âmbito das organizações vem sendo buscada ao longo dos anos. Em que pesem as dificuldades – especialmente as que dizem respeito à mudança de visão dos demais colegas – encontradas pela Cooperativa, a busca é uma constante, já que assim como sua direção e funcionários, os próprios associados entendem a necessidade da efetivação de tais direitos de maneira igualitária a todo ser humano.

Contudo, torna-se fundamental ponderar que a coleta de dados se deu com base em apenas uma entrevista, realizada com a atual coordenadora do departamento de Recursos Humanos da Cooperativa. Entende-se, portanto, que este foi um fator limitador do presente estudo e que, por consequência, ensejará a continuidade da pesquisa em futuros deslindes. Por ora, entende-se que o objetivo principal, que era justamente analisar tais aspectos sob a perspectiva da Cotripal Cooperativa, foi atingido.

Outrossim, mister ponderar que a pertinência do estudo também se demonstrou, uma vez que é possível, de forma mais sólida a partir do presente estudo, que outras cooperativas e organizações utilizem dos ideais e das experiências já vividas pela Cotripal com a inclusão de pessoas com deficiência em seus quadros e façam o mesmo. Certamente a notoriedade da organização ou da cooperativa se engrandece quando ela é capaz de proporcionar o trabalho, direito fundamental amplamente assegurado, a todos os cidadãos, sem qualquer distinção. Para além, o exemplo da cooperativa não serve tão somente para empresas do mesmo ramo ou organizações empresárias, mas sim para todo o setor empregatício e até mesmo educacional.

Assim sendo, ainda que lentamente, percebe-se que tanto as previsões da Constituição Federal de 1988, quanto da legislação infraconstitucional, vêm se aperfeiçoando. Nada obstante, como já ressaltado, entender-se lamentável a necessidade de legislação para que o acesso a tais direitos se viabilize. Por outro lado, é engrandecedor o fato de tais pessoas estarem usufruindo de tais garantias de maneira mais igualitária. Seguramente, caso assim permaneça, pode-se cogitar, para um futuro próximo, maior reconhecimento de organizações que ainda passam despercebidas, caso optem por aderir à regulamentação, conforme a legislação e entendimento dos Tribunais Superiores.

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1 Mestranda em Desenvolvimento Regional no PPGDR/UNIJUÍ (Turma 2022). Bolsista Prosuc/Capes. Bacharel em Direito pela UNIJUÍ; especialista em Direito Público pela Fundação Escola Superior do Ministério Público do Rio Grande do Sul.

Orcid: https://orcid.org/0000-0002-1195-6177.

2 Professor Titular Sênior do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Regional da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (PPGDR/UNIJUÍ). Bolsista Produtividade em Pesquisa do CNPq. Doutor em Desenvolvimento Regional pelo PPGDR/UNISC (2010). Mestre em Gestão Empresarial pela Ebape/FGV (2001). Líder do Grupo Interdisciplinar de Estudos em Gestão e Políticas Públicas, Comunicação, Desenvolvimento e Cidadania (GPDeC).

Orcid: https://orcid.org/0000-0002-2590-6226.

3 Bloco de constitucionalidade, segundo Alberto do Amaral Jr., a partir das lições de Celso Lafer, “é um conjunto normativo que contém disposições, princípios e valores que no caso, em consonância com a Constituição de 1988, são materialmente constitucionais ainda que estejam fora do texto da Constituição.” (Amaral Jr., 2008: 487).

4 Cláusula pétrea, segundo Ribeiro (2019: 499), “proíbe qualquer norma posterior que reduza o conteúdo dos direitos e garantias nela constantes (art. 60, parágrafo 4º, da CF/88)”.