O anúncio médico nas redes sociais: entre a liberdade de expressão e a responsabilidade na comunicação social1
Medical advertisement on social networks: between freedom of expression and liability in social communication
Alessandro Timbó Nilo2; Mônica Aguiar3
DOI: https://doi.org/10.37767/2591-3476(2023)06
Fecha de envío: 07.06.2023
Fecha de aceptación: 23.06.2023
RESUMO:
O presente artigo discute a responsabilidade profissional médica nos anúncios médicos, sobretudo, nas redes sociais. Com o advento da pandemia da Covid-19, os médicos, assim como inúmeros outros profissionais, compulsoriamente afastados dos seus pacientes pelo distanciamento social imposto pelo vírus nos tratamentos eletivos e ambulatoriais, lançaram-se nas redes sociais trazendo a lume a discussão sobre quais limites normativos emolduram seus anúncios. Discute-se qual deve ser a natureza do anúncio médico, procedendo-se uma distinção entre propaganda e publicidade, espécies do gênero anúncio. E por fim discute-se o princípio da responsabilidade jonasiano como marco teórico para embasar as restrições já existentes no ordenamento jurídico brasileiro, que atualmente vêm sendo objeto de grandes questionamentos jurídicos e discussões doutrinárias por, em tese, reduzirem a liberdade de expressão médica.
RESUMEN:
Este artículo aborda la responsabilidad médica profesional en los anuncios médicos, especialmente en las redes sociales. Con la llegada de la pandemia de la Covid-19, los médicos, así como un sinnúmero de otros profesionales, obligados a alejarse de sus pacientes debido a la distancia social impuesta por el virus en los tratamientos electivos y ambulatorios, se lanzaron en las redes sociales sacando a la luz la discusión. sobre qué límites reglamentarios enmarcan sus anuncios. Se discute la naturaleza del anuncio médico, distinguiendo entre propaganda y publicidad, especies del género publicitario. Finalmente, se discute el principio jonasiano de responsabilidad como marco teórico para sustentar las restricciones existentes en el ordenamiento jurídico brasileño, que actualmente son objeto de importantes cuestionamientos jurídicos y discusiones doctrinales porque, en teoría, reducen la libertad de expresión médica
ABSTRACT
This article discusses professional medical liability about medical advertisements, especially on social networks. With the advent of the Covid-19 pandemic, doctors, as well as countless other professionals, compulsorily away from their patients due to the social distance imposed by the virus in elective and outpatient treatments, launched themselves on social networks, bringing to light the discussion about what limits regulations frame their advertisements. The nature of the medical advertisement is discussed, making a distinction between advertising and publicity, species of the advertisement genre. Finally, the jonasian principle of responsibility is discussed as a theoretical framework to support the existing restrictions in the Brazilian legal system, which are currently the subject of major legal questioning and doctrinal discussions because, in theory, they reduce the freedom of medical expression.
PALAVRAS-CHAVE: responsabilidade médica; anúncios médicos; comunicação social médica.
PALABRAS CLAVE: responsabilidad médica; anuncios médicos; medios médicos.
KEY WORDS: medical liability; medical advertisements; medical media.
I. Introdução
Vive-se, talvez, a maior mudança paradigmática social de todos os tempos com o advento da internet, dos smartphones4 e das redes sociais5. Neste cenário inovador foi concebido um grande poder de comunicação social jamais criado na história: a possibilidade de cada indivíduo se comunicar de forma gratuita com um número imenso de pessoas ao mesmo tempo, em qualquer lugar do mundo, a partir de um clique apenas.
Através de uma característica peculiar de sua linguagem, o homo sapiens consegue construir ficções que possibilitam reunir muitos estranhos em cooperação de maneira eficaz, acreditando em mitos comuns, em prol de um ideal único. Foi justamente esta capacidade de cooperar de maneira extremamente flexível através da linguagem, com um número incontável de estranhos, que trouxe a hegemonia da nossa espécie no planeta (Harari, 2019: 32 a 35)6. E esta capacidade de comunicação cooperativa, agora, com as redes sociais, ganhou uma força sem precedentes.
Ocorre que todo grande poder acarreta uma grande responsabilidade a reboque, como refere Hans Jonas, este é “o dever do poder”7. E a humanidade, a partir desta hegemonia no planeta, vem interferindo sistematicamente na sobrevivência de outras espécies de seres vivos e na possibilidade de sobrevivência da própria humanidade (Potter, 1988).
Na esteira deste atual fenômeno social global de comunicação, os assuntos médicos e os próprios médicos em si, como qualquer outro ator social, também embarcaram nesta nova forma de comunicação. O anúncio médico, no sentido de comunicação médica para um público distante e indefinido de receptores não-médicos, que anteriormente só era possível a partir de um grande veículo de mídia tradicional, hoje tornou-se possível a partir do próprio telefone celular de cada médico.
Para catalisar ainda mais a problemática da responsabilidade médica na comunicação social, em 2020 surgiu a pandemia da Covid-19, e, consequentemente, este estado de necessidade coletivo causado pela crise sanitária mundial gerou imediatamente uma grande demanda adicional por informações médicas.
Corolário desta procura por informações para o enfrentamento de um inimigo desconhecido, múltiplas manifestações públicas sobre questões sanitárias tomaram conta das redes sociais, versando sobre assuntos como (i) possíveis medidas preventivas para se evitar o contágio da doença e achatar a curva de transmissão; (ii) alternativas e/ou aventuras terapêuticas; (iii) eficácia de uma eventual vacinação; (iv) eficácia de “tratamentos precoces” (seja no sentido de “preventivo” ou no sentido de “imediatamente quando surgirem os primeiros sintoma”); ou (v) até mesmo a promessa de cura para covid-19 (no sentido de “cura certa a partir de determinada terapêutica”).
Neste cenário de vulnerabilidade coletiva e incertezas geradas pela pandemia, apresentou-se de um lado o interesse social na informação médica sobre questões envolvendo essa doença tão particular e perigosa, e de outro lado a responsabilidade médica na divulgação destas informações, muitas ainda sem qualquer respaldo científico sobre uma doença errática, suis generis e ainda muito desconhecida.
E, no cerne desta problemática, essa quadra da história vem servindo para que se proceda um debate acalorado sobre qual deve ser o limite normativo a ser estabelecido, ou mantido, nos anúncios médicos nas redes sociais.
Assim, através de uma vertente jurídico-sociológica, que analisa o Direito como variável dependente da sociedade e trabalha com as noções de eficiência, eficácia e de efetividade das relações direito/sociedade (Gustin, 2010: 22), este trabalho se utiliza de metodologia qualitativa através pesquisa bibliográfica e documental, com raciocínio dedutivo, para tentar explicitar o conteúdo das premissas normativas que emolduram os anúncios médicos.
E como objetivo central, este artigo busca compreender os fundamentos bioéticos que podem embasar os atuais limites normativos brasileiros da comunicação social médica (anúncios médicos) à luz do direito médico8, da jurisprudência nacional, e, em especial, a partir do princípio da responsabilidade (Jonas, 2006) para a mitigação de danos individuais e sociais.
II. Uma ampliação do dever de informação na atuação médica
A medicina, que tradicionalmente se dedica a aplacar a doença dos pacientes, teve sua prestação obrigacional ampliada nos últimos anos. O que antes se resumia apenas a um dever de cuidado (ou dever de segurança), no sentido de empreender todos os esforços possíveis na tentativa de cura ou de melhora do paciente, atualmente, soma-se também ao dever de informação (Dias, 2011: 285), decorrente do princípio do respeito à autonomia do paciente.
De maneira que ao médico é imposta a tarefa fundamental de informar ativamente o paciente sobre o seu estado de saúde (diagnóstico e prognóstico) para que este possa decidir qual tratamento poderá ser implementado, ou até mesmo se ocorrerá ou não qualquer tentativa de tratamento.
Este movimento de emancipação do paciente e melhoria do seu status informacional no contrato de tratamento tem origem relativamente recente, e se pauta, basicamente, a partir do princípio da dignidade da pessoa humana que na relação paciente-médico (Nilo e Aguiar, 2019) consubstancia-se no princípio do respeito à autonomia do paciente, que por sua vez tem com paradigma central o consentimento informado (Beauchamp e Childress, 2013).
O profissional médico, assim, além do dever de cuidado, passou a ter como dever cor-relato informar o paciente, sendo-lhe expressamente proibido deixar de esclarecer o paciente sobre todas as questões que envolvam a sua saúde e a sua eventual doença, incluindo as determinantes sociais, ambientais ou profissionais deste adoecer9. De maneira que esta informação ao paciente se tornou tão importante que se veda ao médico deixar de obter consentimento do paciente ou de seu representante legal após esclarecê-lo sobre o procedimento a ser realizado, salvo em caso de risco iminente de morte.10
A informação prestada diretamente ao paciente, em um contrato de tratamento, representa assim uma mitigação da medicina paternalista, de maneira que atualmente é vedado ao médico desrespeitar o direito do paciente ou de seu representante legal de decidir livremente sobre a execução de práticas diagnósticas ou terapêuticas, salvo em situações de privilégio terapêutico.
Mas este dever do médico de informar refere-se à informação prestada diretamente ao paciente, individualmente considerado, quando da celebração de um contrato de tratamento no “silêncio do leito”. Sobre a necessidade desta comunicação específica, bem como acerca do consentimento informado, já temos vasta doutrina e uma orientação jurisprudencial no sentido da independência do dever de informação em relação ao dever de cuidado (Bergstein, 2012).
Ocorre que não se deve esquecer o conceito básico de que a medicina é uma atividade tanto a serviço da saúde do indivíduo quanto das coletividades humanas11. E durante a pandemia a importância da saúde em sua perspectiva coletiva ficou muito mais acentuada e evidente, mitigando até mesmo a própria autonomia do paciente individualmente considerado.
No entanto, para a comunicação realizada pelo médico em sua dimensão social, coletiva, na qual este se dirige publicamente em seus anúncios e manifestações para a sociedade como um todo e não para um paciente em específico, existe pouquíssima doutrina e jurisprudência a respeito, bem como quase nenhuma discussão bioética sobre a responsabilidade médica decorrente desta forma de comunicação ao público.
É neste horizonte de comunicação social médica exponencializada nos últimos anos que se tornou tão importante a discussão sobre os fundamentos bioéticos que sustentam as restrições normativas impostas aos anúncios médicos e às publicações médicas nas redes sociais.
III. Anúncios médicos: entre a propaganda e a publicidade, e o desserviço da jurisprudência ao mercantilizar juridicamente a relação paciente-médico.
Quando se trata de comunicação ao público, está-se sempre diante de um anúncio, que representa um gênero englobando duas espécies: propaganda e publicidade. Ambas as espécies de anúncios, a partir de perspectivas distintas, tentam influenciar no comportamento daquele que recebe a mensagem veiculada.
E a distinção básica é que enquanto a propaganda busca a difusão de uma ideia e/ou uma ideologia, a partir de um apelo moral e sem fim lucrativo; a publicidade propõe a difusão do que é vendável (um produto, um serviço ou uma marca), a partir da criação de um sentimento de necessidade/desejo no consumidor. Neste último caso, o anunciante visa o fim lucrativo, um retorno financeiro pessoal (Santos e Cândido, 2017: 10 e 11).
A despeito de que em todo anúncio de cunho venal (publicidade) há um pouco de informação útil (propaganda) a ser transmitida ao receptor da mensagem, bem como em toda propaganda pode haver alguma fração publicitária (que funcione como captação de clientela de forma mediata), a intenção básica subjacente ao anúncio deve ser identificável para que se possa estabelecer qual é o propósito predominante do anunciante. Pois, a depender daquilo que se pretende com o anúncio, uma conduta mais ou menos mercantil pode emergir daquilo que se anuncia.
Desta forma, as empresas fornecedoras de produtos ou serviços, normalmente, anunciam com um intuito mais publicitário do que propagandista, na medida em que o objetivo central da maior parte das empresas inseridas no mercado é a promoção de seus produtos ou serviços no intuito de criar no consumidor um desejo de obter o bem da vida oferecido pela empresa anunciante. A ideia central é favorecer a lucratividade da empresa através dos anúncios e ações promocionais (Kotler, 1999)12.
Portanto, para fornecedores de produtos e serviços mercantis, os anúncios se prestam para a movimentação de se “colocar clientes para dentro da loja” (seja ela uma loja física ou virtual), anunciando assim de forma a seduzir o consumidor para que ocorra aquisição o seu produto/serviço, mesmo que o consumidor não esteja efetivamente demandando por tais produtos/serviços. E para isso, o mercado ainda lança mão de outras inúmeras estratégias como obsolescência programa e obsolescência percebida (Santos et al, 2021).
Já os anúncios médicos devem ser no sentido de favorecer a movimentação oposta por parte dos pacientes. A ideia central de um anúncio em medicina deve ser informar a população para que se evite que as pessoas se dirijam aos hospitais, ou seja, para se evitar ao máximo que “os clientes” (pacientes) venham para as “lojas” (clínicas e hospitais). Tanto que a meta de uma internação hospitalar é dar alta para o paciente, afastando-o definitivamente do hospital, se possível, e não o manter no nosocômio “consumindo”.
Este direcionamento diametralmente oposto na comunicação da atividade médica, no que tange o convencimento do receptor da mensagem (paciente), ficou muito evidente na pandemia na medida em que o médico teve de fazer anúncios no sentido de esclarecer a população de como ela deveria agir para que se prevenisse da contaminação pelo vírus. E, caso uma pessoa fosse contaminada ou apresentasse sinais e sintomas sugestivos de Covid-19, oferecer as informações de como o paciente deveria proceder para que a sua recuperação fosse a melhor possível, evitando-se ao máximo o seu contato com o hospital ou uma possível internação.
Esta diferença básica no propósito dos anúncios médicos torna clara uma das grandes características da atividade médica, especificamente na relação paciente-médico, na medida em que o objetivo central na divulgação de um tema não deve ser o incentivo pelo consumo de um tratamento, em busca do potencial lucro decorrente deste tratamento. Ao contrário disso, deve-se buscar a ilustração da população sobre medidas preventivas que justamente podem evitar ou prevenir a necessidade de uma eventual intervenção médica13. O objetivo central é a promoção da saúde das pessoas.
Na hierarquia dos objetos, portanto, em primeiro lugar na comunicação médica vem a promoção da saúde dos pacientes e das coletividades, ao contrário de uma comunicação mercantil (publicidade) que em primeiro plano busca a lucratividade da empresa ao atrair o consumidor para dentro da loja.
A definição do propósito central, na hierarquia dos objetos, é fundamental, pois é a partir do propósito primeiro a ser alcançado que se determina a tomada de decisões14. Se o médico objetiva em primeiro lugar o lucro (por uma conduta/anúncio autopromocional, sensacionalista ou mercantilizador), sua tomada de decisões e o próprio propósito da atividade médica restará comprometida, ao colocar a saúde do paciente em um plano inferior.15
É no cerne de toda esta fundamentação que os anúncios em medicina devem ser predominantemente propaganda e não publicidade. Justamente neste sentido, encontram-se os dispositivos normativos do Decreto-Lei 4.113/1942, a principal lei ordinária federal brasileira que estabelece limites para a comunicação social médica.
A longevidade do referido diploma normativo, com mais de oitenta anos de vigência, demonstra o acerto de suas restrições, bem como denota sua provável necessidade de atualização em face da recente modificação paradigmática que sofreu a comunicação médica com o advento das redes sociais.
Apesar de antigo, o referido Decreto-Lei, acertadamente, já esclarecia em sua ementa que seu propósito é a normatização da “propaganda” médica, demonstrando sua correta adequação semiótica no sentido de que aos médicos cabe apenas fazer anúncios de aconselhamento sanitário, e não utilizar sua comunicação social com intuito mercantil (publicidade). O viés da propaganda é reforçado textualmente quando o diploma refere que “não se compreende nas proibições deste artigo anunciar o médico (...), pela imprensa ou pelo rádio, conselhos de higiene e assuntos de medicina ou de ordem doutrinária, sem caráter de terapêutica individual” (grifou-se) (§2º, do art. 1º do Decreto-Lei 4.113/1942).
Segundo o referido diploma, ao médico (i) é vedado anunciar publicamente a cura de determinadas doenças, para as quais não haja tratamento próprio, segundo os atuais conhecimentos científicos16; (ii) é vedado anunciar especialidades ainda não admitidas pelo ensino médico, ou que não tenham tido a sanção das sociedades médicas17; (iii) bem como é vedado anunciar referências a métodos de tratamento e diagnóstico não consagrados na prática corrente ou que não tenham tido a sanção das sociedades médicas18.
O referido diploma ainda tem um dispositivo muito importante, que se amolda perfeitamente ao atual contexto de mídias sociais, ao vedar ao médico anunciar sistematicamente agradecimentos manifestados por clientes19. E mais ainda, pode funcionar como uma norma penal em branco, a ser complementada pelas restrições deontológicas, quando expressamente veda anúncios que atentem contra a ética médica20.
Este dispositivo, pouco analisado pela doutrina e sem menção na jurisprudência nacional, tem uma importância fundamental na restrição dos anúncios médicos na medida em que confere à deontologia médica a tarefa de integração do direito, especificando o conteúdo do que pode ou não ser considerado como um anúncio médico ilegal.
E, caso o médico extrapole os limites das normas deontológicas, poderia estar incorrendo em exercício ilegal da medicina, pois estaria exercendo, ainda que a título gratuito, a profissão de médico excedendo os limites legais21, sujeitando-se a uma pena de detenção de seis meses a dois anos.
Todas estas restrições gravitam as ideias centrais de que (i) a medicina não deve ser anunciada de forma sensacionalista ou autopromocial, pois a ideia central não deve ser a captação de clientela, pois esta perspectiva mercantil-lucrativa subverte o próprio objeto central da atividade médica (promoção da saúde); bem como (ii) o médico deve apenas se manifestar publicamente divulgando um conhecimento científico minimamente seguro, afinal, propalar informações ainda sem efetiva comprovação pode ser um grande desserviço no potencial mal que se pode causar no público-alvo.
Um dos grandes problemas nesse tema é que, segundo a jurisprudência nacional e a partir de uma interpretação meramente literal, o médico enquadra-se juridicamente como um “fornecedor” de serviços inserido no mercado de consumo (Art. 3º do Código de Defesa do Consumidor, Lei 8.078/1990), o que termina por chancelar os anúncios médicos com o propósito de captação de clientela, na medida em que o médico seria um “mercador da saúde”, ainda que essa interpretação jurisprudencial esbarre em claras antinomias: (i) literal com a deontologia médica22; (ii) lógico-sistemática com o próprio CDC23; e (iii) teleológica com outras leis ordinárias24.
Nesta opção interpretativa, não seria coerente enquadrar o médico como um fornecedor do mercado de consumo e, ao mesmo tempo, impedi-lo de exercer fazer publicidade, uma arma importante na acirrada disputa pelo lucrativo mercado da saúde.
Mais ainda, ao enquadrar o médico como um fornecedor mercantil, depois do advento da lei de liberdade econômica (Lei 13.874/2019), o Conselho Federal de Medicina e os Regionais estariam com sua competência normativa esvaziada no tema de anúncios médicos, pois, as garantias da livre inciativa econômica abarcam, dentre outras, o dever da administração pública em evitar o abuso do poder regulatório de maneira a “indevidamente restringir o uso e o exercício da publicidade e propaganda sobre um setor econômico, ressalvadas as hipóteses expressamente vedadas em lei federal”25.
Ou seja, o antigo e incompleto Decreto-Lei 4.113/42 seria a única barreira normativa para os excessos nos anúncios médicos, e as resoluções do Conselho Federal de Medicina e dos Regionais (que compõem a Autarquia reguladora do setor), não poderiam funcionar como delimitadores da publicidade médica, na medida em que a atividade médica é de consumo segundo entendimento da jurisprudência nacional.
Sobre este enquadramento, já existe doutrina contrária à mercantilização jurisprudencial da relação paciente-médico (Nilo e Aguiar, 2018) (Kfouri, 2013) (Souza, 2015). No entanto, esta doutrina crescente ainda não conseguiu modificar o entendimento do judiciário que, sob a ideia de proteção do paciente, míope neste caso, mais prejudica do que protege a relação paciente-médico ao adotar o atual entendimento de enquadrar o paciente como consumidor e o médico como fornecedor.
Certo é que o cenário de incertezas está posto, resta saber qual será o caminho adotado pelo judiciário, que, até o momento, em franca contradição, tem ao mesmo tempo preservado o poder normativo dos Conselhos em matéria de anúncios médicos, impedindo com que os médicos promovam sua publicidade livremente, e classificando o médico como um fornecedor inserido no mercado de consumo, em franca cilada hermenêutica com o advento da Lei de Liberdade Econômica.
IV. O arcabouço normativo brasileiro dos anúncios médicos.
O Decreto-Lei 4.113/42, que tem status de Lei Ordinária Federal, faz remissão direta à ética médica (como demonstrado acima, no art. 1º, VII), fazendo surgir todo um plexo de normas infra legais deontológicas nas Resoluções do Conselho Federal de Medicina que ampliam, complementam e especificam as restrições em anúncios médicos.
Vale destacar que a competência normativa do Conselho Federal e os Regionais de Medicina para “legislarem” em assuntos médicos de maneira mais ampla sustenta-se ainda na Lei 3.268/57, que os transformou, em seu conjunto, numa autarquia federal com autonomia administrativa e financeira.
Uma Autarquia é uma pessoa jurídica de direito público, para qual há a outorga de um serviço, ou seja, é transferida tanto a execução quanto a titularidade de um serviço público à pessoa jurídica diversa do Estado, constituindo-se na chamada descentralização por serviço ou descentralização funcional, feita sempre mediante lei específica (Carvalho, 2019). Neste caso, transferiu-se a execução e a titularidade do poder normativo sobre a atividade médica para o CFM e os Regionais26.
Em complemento à Lei 3.268/53, e reforçando a aqui defendida competência normativa e sancionadora do CFM e Regionais, a Lei do Ato Médico (Lei 12.842/2013) deixa claro que a competência fiscalizadora da autarquia abrange a fiscalização e o controle dos procedimentos experimentais em medicina, bem como “a aplicação das sanções pertinentes em caso de inobservância das normas determinadas pelo Conselho Federal” (Art. 7º, parágrafo único, in fine).
E ao legislar sobre anúncios médicos, as normas deontológicas que disciplinam o tema buscam reforçar justamente os dois pontos supramencionados: (i) evitar-se a mercantilização da atividade médica para que não haja a subversão do objeto da medicina e (ii) contribuir para a preservação da segurança (saúde) do paciente e das coletividades receptores das mensagens, ao vedar a divulgação de informações sensacionalistas ainda sem o devido reconhecimento científico.27
Esta análise da deontologia médica infralegal deve começar pelo próprio Código de Ética Médica, que nem sempre previu restrições aos anúncios médicos com estes dois propósitos principais aqui apresentados. Apenas em edições relativamente recentes, a partir do penúltimo Código promulgado (Resolução CFM nº 1.931/2009), os anúncios médicos ganharam tratamento em um capítulo específico.
Fazendo um breve panorama histórico (Monte, 2009), o primeiro Código de deontologia médica aprovado no Brasil, de cunho autoritarista, é de 1931 e completamente silente sobre o tema aqui abordado. Em 1945 surgiu um novo Código, mas manteve sua caraterística paternalista (lastreado na beneficência médica), e na década de 50, em 1953, surgiu um 3º Código, este da Associação Médica Brasileira, também sem grandes novidades.
Já em 1965, no primeiro Código após a promulgação da Lei 3.268/57 – diploma que instituiu o Conselho Federal de Medicina e os Regionais – surge pela primeira vez uma preocupação deontológica com os anúncios em medicina, no entanto, neste momento inicial, as regras eram restritas às “publicações de trabalhos científicos”, e não havia restrições aos anúncios médicos endereçados à população. E, apesar de ainda manter-se paternalista em essência, este código já trouxe um caráter mais humanitário.
No Código subsequente, de 1984 (Res. CFM 1.154/84), surgem pela primeira vez as restrições à “publicidade”28 médica, associadas às restrições nas publicações de trabalhos científicos, entre os arts 68 a 79, encerrando o referido Código. No entanto, esta “evolução” normativa vem com um defeito semiótico, pois, como já demonstrado acima e com base na própria nomenclatura legal utilizada no Decreto-Lei 4.113/42, a melhorar palavra para os anúncios médicos seria “propaganda” e não “publicidade” como o CFM vem utilizando em seu Código de Ética Médica.
Já em 1988, na esteira da redemocratização do país, surge um novo Código de Ética Médica, sendo a primeira edição que coloca a deontologia em seus atuais termos, mais humanitarista e solidária, sendo que este foi um diploma que contou com ampla participação da sociedade civil em sua composição. Neste Código, foram mantidas no último capítulo as restrições para a “publicidade” e publicação de trabalhos científicos29.
Apenas no penúltimo Código30, em 2009, a “publicidade” médica foi isolada em um capítulo específico, apartada das restrições envolvendo trabalhos científicos, permanecendo no último capítulo do Código, entre os Arts. 111 a 118.
Esta topografia manteve-se no atual Código31, com a “publicidade” médica no último capítulo do diploma, mas com a diferença de que o atual Código de Ética Médica passou a fazer referência expressa à utilização das redes sociais, quando no §2º do art. 37 estabelece que “ao utilizar mídias sociais e instrumentos correlatos, o médico deve respeitar as normas elaboradas pelo Conselho Federal de Medicina”.32
V. O princípio da responsabilidade: uma análise bioética dos anúncios médicos na relação paciente-médico.
Usualmente o direito se preocupa com a responsabilidade dos profissionais de saúde como a possibilidade de se exigir uma “prestação de contas”, como uma imposição inteiramente formal de todo agir causal entre humanos. Por exemplo, se um médico causa um dano a um paciente, através de uma conduta culposa, aquele deve reparar o mal causado a este ressarcindo posteriormente os prejuízos comprovadamente causados.
Ocorre que há uma outra noção de responsabilidade que não se refere ao cálculo do que foi feito após a ocorrência do fato danoso, a qual não tem relação com “aquilo que eu fiz”, mas com o bem jurídico (reconhecimento do bem da vida intrínseco tutelado pelo direito, neste caso, a saúde das pessoas) que reivindica meu agir. Nesta perspectiva, os profissionais de saúde devem ser responsáveis pelo bem-estar biopsicossocial do paciente, não sendo algo autorreferente, mas endereçado ao próprio outro (Jonas, 2006: 167).
Como refere Hans Jonas em sua teorização sobre o tema “o ‘porque’ encontra-se fora de mim, mas na esfera de influência do meu poder, ou dele necessitando ou por ele ameaçado” (grifou-se). Aquele que é dependente (o paciente) dá ordens em seu direito intrínseco de ter sua saúde preservada e o poderoso (o médico) se torna sujeito à obrigação dado o seu poder causal (Jonas, 2006: 167).
Portanto, aqui há uma ideia não de correção ou compensação (de algo ocorrido no passado), mas de prevenção e cuidado prévio (para se evitar um mal futuro) a qual se constitui, perfeitamente, em fundamento das restrições aos anúncios públicos realizados por médicos, que, ao se pronunciarem, possuem grande responsabilidade naquilo que dizem em função (i) do status que possuem como detentores de um discurso de autoridade em seara médica e do (ii) do bem intrínseco envolvido.
Esta é uma ética da responsabilidade futura diferente daquela noção de “‘responsabilidade’ formal e vazia de cada ator por seu ato” (Jonas, 2006: 167). E que existe em função da assimetria dos seres envolvidos que nunca podem ser absolutamente iguais. A despeito do atual entendimento de que a relação paciente-médico tem natureza contratual, a sua assimetria permanece, sobretudo em função justamente da distância informacional que as partes possuem (hipossuficiência técnica do paciente).
Quando há relações assimétricas, “a liberdade de cada um encontra-se, assim, enquadrada por limites que o mais vulnerável pode opor àquele que se beneficia de uma posição de poder predominante” (BYK, 2015: 362). Desta forma, é preciso que se entenda que, no sentido jonasiano, a responsabilidade além de se relacionar com o outro, surge em uma relação necessariamente não-recíproca, pois “não é evidente que possa haver responsabilidade, em sentido estrito, entre dois seres absolutamente iguais” (Jonas, 2006: 169).
É neste cenário que a delimitação da “liberdade de expressão” do médico, em assuntos envolvendo terapias ou promessa de resultados em tratamentos, sobretudo em face da covid-19, ganhou um relevo ainda maior.
A responsabilidade no comunicar, que pode trazer graves consequências a um número indeterminado de pessoas, e em função do importante bem da vida envolvido no caso dos médicos, deve mitigar o direito do médico de se expressar livremente. “Enfim, quanto menos se age, menor é a nossa responsabilidade, e, na ausência de um dever positivo, evitar a ação pode constituir uma recomendação de prudência” (Jonas, 2006: 166).
Considerações finais
No presente artigo buscou-se fundamentar a importância das restrições nos anúncios médicos que tentam preservar a saúde dos pacientes e das coletividades, seja através de uma restrição à mercantilização da atividade médica, com a consequente utilização de serviços médicos de forma desnecessária, como se fosse um serviço de consumo qualquer, seja através da restrição às informações médicas que ainda não repousam numa mínima certeza científica.
Assim, nos anúncios médicos em geral, tanto em mídia aberta tradicional, quanto na atualmente predominante rede social do próprio médico, em nenhuma hipótese os galenos deveriam divulgar, publicamente, qualquer informação de maneira sensacionalista, autopromocional ou sobre tratamento ainda não reconhecido por autoridade competente.
Reconhece-se que a legislação ordinária específica aplicável aos anúncios médicos precisa de atualização, mas a jurisprudência nacional, apesar de estar presa numa cilada hermenêutica ao enquadrar a relação paciente-médico na esfera consumerista, vem reconhecendo a competência normativa do Conselho Federal de Medicina e Regionais para promover legítimas restrições na liberdade de expressão dos médicos nas redes sociais.
Uma coisa é prescrever no silêncio do leito, caso-a-caso, uma medicação experimental ou off label33 em uma aventura terapêutica devidamente consentida pelo paciente. Outra, completamente diferente, em função de sua responsabilidade profissional na comunicação social, é divulgar abertamente para o público leigo que determinada medicação ou tratamento, ainda sem comprovação científica, pode ser utilizado para uma doença, sobretudo em um contexto de pandemia.
Caso proceda-se este tipo de anúncio, que nesse contexto pode ser tanto sensacionalista, quanto autopromocial ou de conteúdo inverídico, a conduta médica encontra importante óbice na deontologia médica34 e na legislação ordinária federal35, sendo que estas barreiras, em função do princípio da responsabilidade, não podem ser mitigadas em nome da liberdade de expressão.
Assim, enquanto não houver a comprovação da eficácia, reconhecida por autoridade médica competente, de uma medicação ou tratamento anunciados em público, estes podem até ser utilizados pelo médico no silêncio do leito e no exercício de sua autonomia, desde que em sua avaliação fundamentada os potenciais benefícios superem os riscos para aquele determinado paciente em específico, e desde que o paciente esteja ciente de todos os riscos e benefícios envolvidos na “aventura terapêutica” através de um consentimento livre, esclarecido e expresso do paciente.
No entanto, na medida em que a ineficácia da medicação passa a ser reconhecida por autoridade competente, o médico nem mesmo mais poderá prescrevê-la, extrapolando os limites de sua autonomia profissional, podendo, neste caso, ser responsabilizado administrativa, civil e criminalmente caso haja eventual dano ao patrimônio moral ou material do paciente ou caso promova o anúncio público de tal tratamento.
Neste sentido, é muito pertinente o expediente de suspensão cautelar do exercício da medicina decorrente de publicidade ilícita em redes sociais, envolvendo anúncios de substâncias ou tratamentos ainda sem o devido reconhecimento científico, na medida que esta conduta põe em risco um número indeterminado de pacientes receptores da mensagem médica. O princípio da responsabilidade de Hans Jonas parece ser um excelente fundamento teórico para a manutenção destas limitações nos anúncios médicos.
O problema da comunicação social médica está posto. A responsabilidade médica, quanto ao dever de informação, não pode se restringir apenas à beira do leito, tendo de ser observada e cumprida também em sua dimensão social, pois, a depender do que seja anunciado, um dano coletivo enorme pode surgir a partir de uma “simples” mensagem.
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1 Artigo associado ao Projeto de Pesquisa “A alteridade como mecanismo de efetivação do direito à saúde”.
2 Médico, Advogado, Especialista e Mestre em Direito Médico, Doutorando em Direito (Universidade Federal da Bahia). Professor da Universidade Católica do Salvador (UCSAL), alessandronilo@hotmail.com. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-2105-8223.
3 Advogada, Psicóloga, Acadêmica de Medicina, Mestre, Doutora em Direito. Professora Associada da UFBA (Universidade Federal da Bahia), monicaaguiarpsi@gmail.com. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-4555-423X.
4 No passado, um telefone celular, por exemplo, compreendia um número reduzido de tecnologias, essencialmente de hardware, vindas da eletrônica, e sua função era restrita à comunicação por voz. Hoje em dia, os celulares têm atributos que vão além dessa função, e os recentes desenvolvimentos os colocam como futura alternativa aos computadores portáteis (Neris et al, 2014: 397)
5 É, no início do séc. XX, que surge a ideia de rede social, a ideia de que as relações sociais compõem um tecido que condiciona a ação dos indivíduos nele inseridos. A metáfora de tecido ou rede foi inicialmente usada na sociologia, para associar o comportamento individual à estrutura a qual ele pertence e transformou-se em uma metodologia denominada sociometria, cujo instrumento de análise se apresenta na forma de um sociograma (Ferreira, 2011)
6 E este autor esclarece que foi justamente esta capacidade de criar ficções, uma “realidade imaginada”, diferente da “realidade física”, que não existiu nos neandertais, que levou a extinção destes pelos sapiens, mesmo estes sendo fisicamente seres inferiores.
7 Esta é uma outra noção de responsabilidade que não concerne ao cálculo do que foi feito ex post facto, ou seja, como ressarcimento ao eventual dano causado a outrem, mas a determinação do que se tem a fazer; uma noção em virtude da qual eu me sinto responsável em primeiro lugar pelo objeto que reivindica o meu agir (no caso aqui apresentado neste artigo, a saúde das pessoas), não por minha conduta e suas consequências (Jonas, 2006: 167).
8 Aqui a expressão “direito médico” encontra-se no sentido de ser o ramo do direito que estuda a relação paciente-médico num dado momento, o contrato de tratamento, seja um ato terapêutico ou diagnóstico (Nilo, 2020), não no sentido de ser o ramo que estuda a “legislação atinente à profissão médica”, como defende França (2016).
9 Art. 13 do Código de Ética Médica, Resolução CFM 2.217/2018.
10 Art. 22 do Código de Ética Médica, Resolução CFM 2.217/2018.
11 Art. 2º, caput, da Lei 12.842/2013, refere que “o objeto da atuação do médico é a saúde do ser humano e das coletividades humanas, em benefício da qual deverá agir com o máximo de zelo, com o melhor de sua capacidade profissional e sem discriminação de qualquer natureza” (grifou-se).
12 Nestas ações promocionais feitas pelos fornecedores comerciais estão, dentre outras: promoção de vendas, relações públicas, publicidade, mala direta, mailing list, clube de vantagens e de fidelidade, utilização de redes sociais etc.
13 Ou ainda ilustrar a população sobre medidas que, se corretamente tomadas, podem minorar um dano a ser experimentado pelo paciente. É neste sentido que se encontra a melhor exegese do §2º, do art. 1º do Decreto-Lei 4.113/1942, quando refere que “não se compreende nas proibições deste artigo anunciar o médico (...), pela imprensa ou pelo rádio, conselhos de higiene e assuntos de medicina ou de ordem doutrinária, sem caráter de terapêutica individual”.
14 Sobre a compreensão do propósito da atividade médica e consequente a tomada de decisão Caplan (2019) refere que “o comportamento do consumidor não é característico de nosso sistema de saúde porque, com toda franqueza, não é realmente um negócio orientado para o mercado. Nosso sistema de saúde não possui as informações e os pacientes não têm condições de fazer compras ou pesquisas que os levariam a agir como se fosse um mercado. Acho que eles são muito mais vulneráveis, mais dependentes; ficam mais frequentemente no escuro e geralmente não têm escolha. A sala de emergência em que você acaba não é algo que você comprou online. Eu realmente acho que devemos parar de falar sobre nossos pacientes como consumidores. (...)” (tradução livre).
15 O Código de Ética Médica (Resolução CFM nº 2.217/2018), em seu capítulo que disciplina a remuneração profissional, tenta coibir a mercantilização de forma expressa, a partir do seu Art. 58, que declara que “é vedado ao médico o exercício mercantilista da medicina”. Ocorre que infelizmente inúmeros médicos prescrevem tratamentos sem indicação para os pacientes, com o mero intuito de receber uma remuneração da farmácia de manipulação, ou de uma empresa que forneça equipamentos ou produtos médicos. Nestes casos, por objetivar o lucro e não a saúde do paciente em primeiro plano, os médicos podem gerar graves prejuízos à saúde do paciente.
16 Art. 1º, I, do Decreto-Lei 4.113/42
17 Art. 1º, V, do Decreto-Lei 4.113/42
18 Art. 1º, XI, do Decreto-Lei 4.113/42
19 Art. 1º, XI, do Decreto-Lei 4.113/42.
20 Art. 1º, XI, in fine, do Decreto-Lei 4.113/42.
21 Esta é a literalidade do art. 282 do Código Penal Brasileiro, que estabelece que é vedado ao médico “exercer, ainda que a título gratuito, a profissão de médico, dentista ou farmacêutico, sem autorização legal ou excedendo-lhe os limites” (grifou-se).
22 O Princípio Fundamental nº IX do Código de Ética Médica (Resolução CFM nº 2.217/2018) assevera que “A medicina não pode, em nenhuma circunstância ou forma, ser exercida como comércio”, e o Art. 58 do mesmo diploma veda ao médico “o exercício mercantilista da medicina”. Portanto, existem princípios e regras no CEM que são antinômicas com o enquadramento proposto pelo judiciário brasileiro.
23 Além do Código de Defesa do Consumidor não trazer as palavras “paciente” ou “médico” em todo o seu texto, apenas a título de exemplo, o diploma consumerista refere que (i) “é completamente nula a cláusula contratual que exclua ou mesmo atenue o dever de indenizar em caso de dano” (art. 51, I); que (ii) “é prática abusiva executar serviços sem a prévia elaboração de orçamento e autorização expressa do consumidor” (art. 39, VI); que (iii) “é prática abusiva deixar de estipular prazo para o cumprimento de sua obrigação ou deixar a fixação de seu termo inicial a seu exclusivo critério” (art. 39, XII); que (iv) “é prática abusiva permitir o ingresso em estabelecimentos comerciais ou de serviços de um número maior de consumidores que o fixado pela autoridade administrativa como máximo” (art. 39, XIV), de maneira que nenhuma destas restrições pode ser atribuída à atividade médica, sobretudo em unidades de emergência e urgência, em função do bem jurídico envolvido, a saúde das pessoas. Mais ainda, caso o médico cumpra estas imposições do CDC, pode incorrer no crime do Art. 135-A do Código Penal Brasileiro. Para uma análise mais pormenorizada da inadequação do enquadramento da relação paciente-médico no Código de Defesa do Consumidor, endereça-se o leitor para Nilo e Aguiar (2018).
24 A título de exemplo, a Lei 12.842/2013, conhecida como “A Lei do Ato Médico” que dispõe cobre o exercício da medicina, esclarece que “o objeto da atuação do médico é a saúde do ser humano e das coletividades humanas, em benefício da qual deverá agir com o máximo de zelo, com o melhor de sua capacidade profissional e sem discriminação de qualquer natureza” (Art. 2º, caput), de maneira que se o objeto central da atividade é a promoção da saúde, não pode ser ao mesmo tempo a obtenção de lucro, o que traz uma clara e básica distinção que permeia toda a atividade médica e sujeita os médicos a uma série de restrições em seu agir.
25 Art. 4º, VIII da Lei nº 13.874, de 20 de setembro de 2019.
26 Art. 2º da Lei 3.268/57: “O conselho Federal e os Conselhos Regionais de Medicina são os órgãos supervisores da ética profissional em tôda a República e ao mesmo tempo, julgadores e disciplinadores da classe médica, cabendo-lhes zelar e trabalhar por todos os meios ao seu alcance, pelo perfeito desempenho ÉTICO da medicina e pelo prestígio e bom conceito da profissão e dos que a exerçam legalmente.”
27 Este duplo objetivo fica claro na “Apresentação” da resolução CFM nº 1.974/2011, também de nominada “Manual de Publicidade Médica”, quando o então presidente do CFM, Dr. Roberto Luiz d’Ávila esclarece que “numa sociedade consumista, na qual valores, infelizmente, se diluem, a medicina deve atuar como guardiã de princípios e valores, impedindo que os excessos do sensacionalismo, da autopromoção e da mercantilização do ato médico comprometam a própria existência daqueles que dele dependem”. Conselho Federal de Medicina (2011: 09).
28 Como explanado alhures, a melhor nomenclatura tendo em vista o telos da norma, bem como a própria nomenclatura utilizada no decreto-Lei 4.113/42 que já estava em vigor, seria “propaganda” médica. No entanto, este cuidado semiótico passou despercebido pelo “legislador” infra legal e mantém-se assim até o Código atual, com uma nomenclatura inadequada ao propósito das restrições impostas.
29 Resolução CFM nº 1.246/88, entre os arts. 131 a 140.
30 Resolução CFM nº 1.931/09.
31 Resolução CFM nº 2.217/18.
32 Esta remissão às redes sociais, na verdade, já havia sido incorporada à Resolução nº CFM 1.974/2011 pela Resolução nº CFM 2.126/2015, que alterou as alíneas “c” e “f” do art. 3º, o art. 13 e o anexo II da Resolução nº CFM nº 1.974/11, a qual deve ser lida de forma lógico-sistemática com o §2º do art. 37 do atual Código de Ética Médica, o qual prescreve que “ao utilizar mídias sociais e instrumentos correlatos, o médico deve respeitar as normas elaboradas pelo Conselho Federal de Medicina”.
33 O uso off label (OL) de um medicamento, ou seja, para uma indicação não descrita na bula, ocorre quando se usa uma medicação já aprovada para utilização em uma determinada doença (on label), mas ainda não para daquela na qual se utiliza no caso concreto (Off label). Este uso OL é feito por conta e risco do médico e do paciente, podendo gerar uma responsabilização contra o médico se não houver o devido consentimento informado, mas em parte das vezes trata-se deum uso essencialmente correto, apenas ainda não aprovado. Este uso pode até ser feito no silêncio do leito, mas nunca publicizado em mídia aberta, sobretudo em função da não autorização expressa pelas autoridades competentes.
34 No mencionado Art. 113 da Resolução CFM 2.217/2018 (Código de Ética Médica).
35 Assim agindo o médico, como mencionado acima, estaria incorrendo no exercício ilegal da medicina por violação do Art. 1º, incisos I e IX do Decreto-Lei 4.113/42, os quais vedam, respectivamente, ao médico anunciar “cura de determinadas doenças, para as quais não haja tratamento próprio, segundo os atuais conhecimentos científico”, bem como fazer “referências a métodos de tratamento e diagnóstico não consagrados na prática corrente ou que não tenham”.