A Convenção Europeia de Direitos Humanos e a Corte de Estrasburgo na proteção aos direitos
fundamentais da União Europeia
The European Convention on Human Rights and the Strasbourg Court in the protection of fundamental rights in the European Union
Lucas Lanner De Camillis1; Sandra Regina Martini2;
Karina Macedo Fernandes3
DOI: https://doi.org/10.37767/2591-3476(2023)11
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RESUMO:
O presente artigo tem por objetivo demonstrar como ocorreu a evolução dos direitos humanos dentro do ordenamento jurídico comunitário da União Europeia e qual foi à influência que a Corte de Estrasburgo e a própria Convenção Europeia de Direitos Humanos teve dentro da organização internacional. A pesquisa foi feita com o método exploratório-bibliográfico de leituras em artigos, livros, jurisprudências, leis e tratados internacionais para complementar o máximo possível o entendimento sobre o assunto abordado. O trabalho começa com o debate sobre a influência da Corte Europeia de Direitos Humanos na vinculação desses direitos dentro do ordenamento jurídico comunitário e da jurisprudência do Tribunal Europeu, e o processo, ainda em curso, da adesão da própria União Europeia à Convenção Europeia de Direitos Humanos. Em seguida é analisado a intersecção e o entrelaçamento das Cortes (de Estrasburgo e de Luxemburgo), com a utilização de análises de casos concretos que são referentes dentro da jurisprudência europeia, que estavam vinculados com a proteção de direitos fundamentais na Europa, utilizando a intersecção de ambas as Cortes e seus entendimentos. E por fim uma breve análise de algumas complicações que o direito comunitário tem com o próprio direito internacional.
ABSTRACT
The purpose of this paper is to demonstrate how human rights evolved within the EU law and what influence the Court of Strasbourg and the European Convention on Human Rights had within the European Union. The entire research was made by exploratory-bibliographic method of reading articles, books, case law, international laws and international treaties to complement the understanding on the subject addressed as much as possible. The paper begins with the debate on the influence of the European Court of Human Rights in the binding of these rights within the EU law order and the jurisprudence of the Court of Justice of European Union, and the process, still ongoing, of the European Union accession to the European Convention of Human Rights. Subsequently, the intersection and intertwining of the Courts (of Strasbourg and Luxembourg) are analyzed, using analyzes of concrete cases that are references within European jurisprudence, which were linked to the protection of fundamental rights in Europe, using the intersection of both Courts and their understandings. And finally, a brief analysis of some complications that EU law has with international law itself
PALAVRAS-CHAVE: Direitos humanos e fundamentais; direito comunitário; união europeia; tribunal de justiça da união europeia; corte europeia de direitos humanos.
KEY WORDS: Human and fundamental rights; EU law; European Union; Court of Justice of European Union; European Court of Human Rights.
I. Introdução
A organização internacional União Europeia é algo amplamente discutido e estudado, principalmente em virtude de como ocorre a proteção aos direitos humanos dentro de uma organização de cunho supranacional4. Após a segunda guerra mundial, com a Europa devastada houve o pioneirismo de estruturar tratados internacionais entre os países europeus com o objetivo de reformular a economia. Dessa forma, foi o começo de uma grande evolução jurídica na história. Ao passar dos anos, mais especificamente após a década de 60, foi mudando o enfoque da Comunidade Europeia, saindo somente do lado econômico e sendo forçada a se posicionar em respeito de como iria haver a proteção aos direitos humanos dentro da organização internacional.
A preocupação era em níveis nacionais, onde os tribunais constitucionais estavam em busca de uma melhor proteção desses mesmos direitos humanos que foram muito violados durante a segunda guerra mundial, e em nível internacional com o primeiro tratado multilateral envolvendo a proteção aos direitos humanos dentro da região europeia, a Convenção Europeia de Direitos Humanos e Liberdades Fundamentais.
A pressão feita pelos Estados-membros e suas Cortes internas fez com que a organização deixasse de ter somente um viés simplesmente econômico. Era difícil manter uma supranacionalidade e a supremacia do direito comunitário quando não existia garantia nenhuma de proteção a direitos extremamente importantes para os cidadãos europeus. Com a criação da Convenção Europeia e da Corte responsável por interpretar tal dispositivo normativo – a Corte de Estrasburgo – houve uma influência enorme no ordenamento jurídico comunitário em relação às proteções de direitos fundamentais.
Nessa lógica, além da Corte de Estrasburgo, existe também o Tribunal de Justiça da União Europeia (conhecido também como Tribunal de Luxemburgo ou somente TJUE), uma instituição de grande importância, responsável pela interpretação do direito comunitário em toda a União Europeia. Os principais objetivos do trabalho, portanto, são demonstrar como ocorreu a evolução dos direitos humanos dentro da União Europeia e mostrar quais foram as influências que fizeram com que o Tribunal de Luxemburgo e a própria Comunidade Europeia5 mudassem sua visão em relação à proteção aos direitos fundamentais dentro do ordenamento jurídico comunitário.
O primeiro ponto do trabalho é questionar qual a influência que a Convenção Europeia de Direitos Humanos teve dentro do ordenamento jurídico comunitário, do tribunal supranacional de Luxemburgo e da Carta de Direitos Fundamentais da União Europeia. Em seguida, irá serão debatidas questões e problemas referentes à possível adesão da União Europeia na Convenção Europeia de Direitos Humanos, além dos novos dispositivos do Tratado de Lisboa. No terceiro tópico são analisados a intersecção e o entrelaçamento das Cortes (de Estrasburgo e de Luxemburgo), com a utilização de análises de casos concretos que são referentes dentro da jurisprudência europeia, que estavam vinculados com a proteção de direitos fundamentais na Europa, utilizando a intersecção de ambas as Cortes e seus entendimentos. E, por fim, uma breve análise de algumas complicações que o direito comunitário tem com o próprio direito internacional.
Por conseguinte, apesar de diversas dificuldades e problemas, como a demora da criação de um devido ato normativo vinculado para a proteção aos direitos fundamentais, a experiência europeia de uma organização supranacional é uma das mais bem sucedidas no sentido de integração econômico-comunitária e política. Mesmo não podendo ser copiada e utilizada nos demais sistemas regionais mundiais, por ter um contexto histórico muito particular, é de uma grande referência o “experimento” Europeu.
II. A Convenção Europeia de Direitos Humanos e a sua influência no ordenamento jurídico comunitário Europeu
A Convenção foi o primeiro tratado multilateral entre países para haver uma maior proteção aos direitos humanos dentro do continente europeu após a Segunda Guerra Mundial. Os Estados contratantes teriam que garantir e respeitar os direitos que nela estavam positivados, sendo postos sob uma supervisão de uma corte judicial com base em Estrasburgo, a qual tinha competência para interpretar e jurisdicionar a Convenção.
O movimento de integração feito pelos países europeus pós-guerra ajudou muito na evolução da proteção aos direitos humanos na Europa. Contudo, foi carecido de atenção na construção dos tratados regionais no ambiente Europeu, como por exemplo, no Tratado de Roma. O próprio tribunal supranacional, criado para fornecer a interpretação do direito da comunidade dentro do ordenamento jurídico comunitário, foi inicialmente considerado sem competência para julgar e revisar atos e medidas da Comunidade no que dizia ao respeito sobre os direitos humanos, colocando essa responsabilidade somente para o Conselho da Europa (Murray, 2011: 1389).
O Conselho da Europa tem seu objetivo principal de desenvolver e proteger princípios comuns democráticos dentro da região europeia; além de garantir a proteção dos direitos humanos por meio da Convenção Europeia de Direitos Humanos (CEDH). No entanto, mesmo sendo uma entidade desenvolvida para garantir a proteção aos direitos humanos, com a possibilidade de os próprios cidadãos europeus poderem peticionar diretamente em busca da proteção de direitos garantidos pela Convenção, ainda é uma organização intergovernamental que é regida pelas regras de direito internacional e opera dentro de limites.
Mesmo ocorrendo esses limites, existe um órgão responsável para esclarecer e interpretar a Convenção em conflitos, a chamada Corte Europeia de Direitos Humanos (Corte EDH) ou Corte de Estrasburgo. Ao contrário do Tribunal da União Europeia, ao qual assegura a aplicação uniforme6 de todo direito comunitário dentro dos Estados-membros, o Tribunal de Estrasburgo é focado somente na interpretação da Convenção Europeia de Direitos Humanos. As suas decisões são vinculadas dentro do Estado-membro que sofreu a denúncia. Contudo, não há um mecanismo para forçar o cumprimento da decisão, mesmo que não seja comum haver o desrespeito do Estado. Ademais, o tribunal só pode ser invocado quando todos os recursos internos tiverem sidos esgotados e dentro de um período de seis meses da decisão final, a não ser que leis nacionais dos Estados-membros permitam a aplicação direta (Murray, 2011: 1392-1293).
Existe uma quantia significativa maior de Estados que fazem parte da Convenção Europeia do que da União Europeia. Mesmo que seja obrigatório ser parte da Convenção para entrar definitivamente na UE, a própria União não faz parte dela, ocorrendo dificuldades com as proteções aos direitos humanos. Ou seja, ainda não pode haver a revisão de medidas das leis comunitárias pelo Corte de Estrasburgo. Isso faz com que haja diversas críticas e dificuldades com a proteção adequada aos direitos humanos dentro da Europa (Murray, 2011: 1393).
Com essa perspectiva do Conselho da Europa e da CEDH, sera observado agora como houve a influência de ambos na UE e no TJUE na maneira de olhar a proteção aos direitos humanos dentro da Comunidade. Por não haver nos tratados fundadores da União um “Bill of rights” de direitos humanos, até meados dos anos 70 a CEDH e a Comunidade Europeia operaram em paralelo: enquanto a Convenção se importava com a proteção aos direitos humanos dentro da Europa, a Comunidade Europeia focava na construção de um mercado comum. Isso mudou após as menções aos direitos humanos na jurisprudência do Tribunal da UE e nos atos normativos de direito comunitário. A UE agora estava no caminho de se tornar uma organização de direitos humanos, e a partir dos anos 90 o TJUE começou a procurar na Convenção Europeia inspiração para a proteção aos direitos humanos no direito comunitário. Consequentemente, a partir disso, houve um diálogo entre cortes: o TJUE adotou posições em deferência à Corte de Estrasburgo na interpretação dos direitos contidos na Convenção (Murray, 2011: 1395).
Existem casos importantes que mostram essa deferência por parte do TJUE à CEDH. Nota-se um exemplo no caso Hoechst AG v. Commission (Tribunal de Justiça da União Europeia, 1989), em que o TJUE decidiu que estabelecimentos comerciais não eram protegidos pelo artigo 8 da Convenção7, garantindo a inviolabilidade do domicilio. Contudo, o Tribunal mudou a sua posição em 2002 na sua decisão de Roquettes Frères SA v. Commission (Tribunal de Justiça da União Europeia, 2002), indo de acordo com a Corte Europeia de Direitos Humanos que afirmava a garantia de proteção do artigo 8 da Convenção para estabelecimentos comerciais. Além disso, o TJUE tem demonstrado uma disposição de revisão à sua legislação na luz do padrão da Convenção Europeia (Murray, 2011: 1395).
Outro caso importante para colocar como exemplo é de 2003: Secretary of State for the Home Dep’t v. Akrich (Tribunal de Justiça da União Europeia, 2003). O TJUE instruiu um tribunal inglês para respeitar o direito garantido pelo Artigo 8 da Convenção, de respeito pela vida familiar, em virtude de uma aplicação feita pelo esposo de uma cidadã Europeia, sendo ele um nacional de Marrocos (ou seja, um não europeu), a permanecer na Grã-Bretanha desde que o casamento fosse genuíno. Com essa decisão foi notado que houve a aplicação direta do Artigo 8 da Convenção pelo TJUE, e não somente utilizada como um guia interpretativo. O Tribunal Europeu considerou que a disposição é um princípio geral de direito comunitário, estipulando que o tribunal interno tinha que respeitar o direito de acordo com a Corte de Estrasburgo. Assim como demonstrou que mesmo parecendo uma questão puramente de direito interno (por exemplo, imigração) pode ser sujeito de revisão ao TJUE. Por conseguinte, o desejo de haver a expulsão, por parte do Reino Unido, do Sr. Akrich foi frustrado pelo Artigo 8 da Convenção aplicado através do próprio direito comunitário (Murray, 2011: 1395).
A posição especial e a evolução da Convenção Europeia dentro do ordenamento comunitário vêm sendo preservadas em diversos tratados da União, tendo ganhado força em demasiado na decorrência das decisões do TJUE nos casos envolvendo a proteção aos direitos humanos durante os anos. Como consequência, a proteção aos direitos humanos dentro do direito comunitário foi imbuída pela jurisprudência da Corte Europeu de Direitos Humanos. Portanto, as decisões da Corte Europeia, as quais não têm o efeito erga omnes passam a ter quando são aplicadas pelo TJUE, ganhando força vinculante por serem incorporadas como parte do direito comunitário. Em consequência, as normativas da Convenção Europeia, a partir das decisões do TJUE, ganham primazia perante as leis e constituições dos Estados Membros, limitando ainda mais as suas soberanias (Murray, 2011: 1396).
Por outro lado, limites foram postos pelo TJUE na influência da Convenção Europeia dentro do ordenamento da União, de modo que ressaltou que a natureza dos direitos humanos dentro do direito comunitário deveria ser determinada com autonomia e sempre de acordo com os objetivos da União Europeia. No entanto, após a entrada em vigor do novo Tratado de Lisboa e a possível adesão da UE à Convenção, o Tribunal perderá essa grande autonomia, sendo forçado a seguir a jurisprudência da Corte Europeia de Direitos humanos, como discutiremos em outro tópico.
1. A Convenção Europeia de Direito Humanos e a Carta de Direitos Fundamentais da União Europeia
A Convenção também serviu de inspiração para a Carta de Direitos Fundamentais da UE. Na Europa, desde a segunda guerra mundial, o principal bill of rights sobre os direitos humanos foi a Convenção Europeia. Somente após muitos anos que a União deixou de ser apenas um mercado comum para ser uma organização internacional de direitos humanos. Em seu artigo 52(3)8 ela define a relação dos direitos contidos nela com a CEDH, prevenindo que a proteção aos direitos humanos positivados na Carta não se torne menor que na Convenção, assim garantindo um padrão mínimo dos direitos humanos na UE. Esse padrão mínimo faz com que os Estados-membros não sejam submetidos a duas normas de proteção aos direitos humanos quando forem aplicar o direito comunitário. Portanto, o artigo 52(3) não apenas mantém o status quo da CEDH, mas também deve ser lido como uma referência a ela junto com os seus protocolos adicionais e, caso seja modificada no futuro, essas alterações tornar-se-ão automaticamente o novo padrão dos direitos humanos na EU (Lock, 2009: 382). De acordo com o Artigo 52(7) da Carta, os órgãos jurisdicionados da União e dos Estados-membros “têm em devida conta as anotações destinadas a orientar a interpretação da presente Carta”, ou seja, não pode ser excluída também a hipótese que futura jurisprudência irá adicionar na lista outros direitos vinculados à Carta.
Outra questão importante de ser debatida é colocada por Tobias Lock (2009: 383). Quando é estabelecido com o Artigo 52(3) um padrão mínimo na interpretação dos direitos da Carta em conjunto com a Convenção, uma questão surge: se a interpretação dessa disposição também está vinculada à jurisprudência da Corte de Estrasburgo em respeito a esses direitos. Considerando que o TJUE é o principal intérprete da Carta, isso resultaria em uma vinculação do Tribunal de Luxemburgo às decisões da Corte de Estrasburgo quando houver a interpretação da Carta. Se esse fosse o caso, iria criar uma hierarquia entre os dois tribunais, com a Corte Europeia de Direitos Humanos ao topo.
Quando se nota a redação do artigo 52(3), no entanto, não vê-se nenhuma referência expressa à jurisprudência da Corte de Estrasburgo, somente à própria CEDH. A questão, portanto, é se o artigo 52(3) poderia ser interpretado com essa referência à jurisprudência. Por um lado, é improvável que os redatores desse artigo quiseram uma simples menção ao texto de mais de 50 anos da CEDH, considerando que já foi dinamicamente interpretada pela Corte de Estrasburgo como um instrumento vivo, sendo assim muito mais preciso interpretar como uma normatividade que está em constante evolução pelo incremento de complexidade da sociedade europeia. Contudo, por outro lado, caso a jurisprudência da Corte Europeia de Direitos Humanos seja vinculada à Carta, isso significaria que todos os passos feitos pela Corte em relação ao desenvolvimento da proteção aos direitos humanos seriam automaticamente parte do próprio direito comunitário europeu (Lock, 2009: 384).
Lock (2009: 386) mostra em seus argumentos que se as decisões da Corte de Estrasburgo se tornassem vinculadas ao próprio Tribunal de Luxemburgo, isso significaria uma mudança de paradigma no ordenamento da União9. Caso houvesse o desejo de tamanha mudança, seria incluída uma disposição expressa na própria Carta. Além do mais, a própria Corte de Estrasburgo não está vinculada por suas decisões, nem prevê que os tribunais nacionais, partes do Conselho da Europa, sejam vinculados por elas. O Artigo 46(1)10 da CEDH apenas prevê a vinculação das decisões inter partis.
O argumento que os direitos correspondentes da Carta da União e da Convenção Europeia devem ser vinculados à jurisprudência da Corte Europeia de Direitos Humanos, leva a conclusão que os mesmos direitos estão vinculados à jurisprudência do TJUE. Se considerar o TJUE como intérprete final da Carta, isso resultaria na vinculação, não somente da sua própria jurisprudência, mas também da jurisprudência da Corte de Estrasburgo. Num cenário de contradição jurisprudencial entre as duas cortes, o TJUE estaria vinculado a duas jurisprudências, trazendo uma enorme dificuldade interpretativa. Isso mostra que o artigo 52(3), que tem como objetivo criar maior coerência e consistência nos direitos humanos europeus, seria melhor alcançado se não houvesse o dever legal de seguir qualquer uma das decisões. Contudo, Lock (2009: 386-387) fala que a menção da jurisprudência da Corte Europeia de Direitos Humanos, no preâmbulo da Carta, sugere que é somente com um viés de ajuda interpretativa e não presume a vinculação direta dessa jurisprudência no Tribunal Europeu da Comunidade quando interpretar direitos que correspondem aos mesmos da CEDH.
Dois autores pensam de outra maneira. Lenaerts e Smijter (2001: 99) argumentam que a jurisprudência da Corte Europeia de Direitos Humanos forma uma parte integral no significado desses direitos, e com isso o TJUE seria obrigado a seguir a mesma. Contudo, eles não consideram as consequências que isso faria com a relação de ambas as cortes como Lock.
Sempre houve um respeito entre as cortes, vistas como iguais e vivendo em coexistência. Esse respeito mútuo foi confirmado pela Corte Europeia de Direitos Humanos no caso Bosphorus Hava Yollari Turizm ve Ticaret AS v Minister for Transport, Energy and Communications (Tribunal de Justiça da União Europeia, 1996a), no qual a Corte de Estrasburgo reconheceu que a proteção na UE é equivalente à Convenção Europeia, mesmo não sendo idêntica é comparável, assim como foi indicado na decisão. Ou seja, o TJUE tem a permissão de dar a sua própria interpretação e não é obrigado a seguir estritamente a jurisprudência de Estrasburgo (Senden, 2011: 34), o que será debatido em detalhes em tópico específico.
Com os argumentos acima se pode notar que caso houvesse a vinculação da jurisprudência da Corte de Estrasburgo ao Tribunal de Luxemburgo, existiria um enorme conflito na relação das mesmas, talvez tendo como consequência uma grande confusão jurídica de jurisprudência e podendo interferir na autonomia do próprio direito comunitário e do TJUE ocorrendo uma hierarquia das cortes, algo sempre evitado pela União até o momento.
III. Adesão da União Europeia à Convenção Europeia de Direitos Humanos e o novo Tratado de Lisboa
Com o crescimento da proteção aos direitos humanos dentro do ordenamento jurídico comunitário europeu e por existir uma influência direta da Convenção e dos julgados da própria Corte Europeia de Direitos Humanos dentro da jurisprudência da União Europeia, já foi considerada diversas vezes no passado a adesão da UE à CEDH, mesmo nunca sendo alcançada. Essa adesão traria diversas vantagens, com uma ligação formal entre a União e a Convenção existiria uma preocupação maior com os direitos humanos, e também eliminaria as acusações de duplicidade de critérios. Também iria minimizar o perigo de decisões conflitantes emanadas do TJUE e da Corte Europeia de Direitos Humanos, dado que eles decidiriam sobre questões idênticas. A adesão da UE também seria de grande ajuda aos cidadãos que queiram garantir os seus direitos contra atos das instituições da UE que feriram o texto normativo da Convenção, dado que na presente situação não existe um recurso para Estrasburgo, a menos que a legislação da UE tenha sido implementada com algum ato dentro do território de um Estado-membro. Além disso, seria uma maneira de haver a supervisão externa das instituições da UE, especialmente dado o grande crescimento das suas agências e de suas competências (Douglas-Scott, 2011: 658-659).
O parecer 2/94 (Tribunal de Justiça da União Europeia, 1996b) do TJUE foi um ponto importante para não haver a adesão da UE à CEDH. No parecer foi assegurado pelo Tribunal Europeu que a Comunidade não teria competência para haver a adesão sem uma emenda nos tratados originários. Contudo, esse obstáculo foi retirado pelo Tratado de Lisboa o qual provia base legal para haver a adesão em seu artigo 6(2)11, sendo necessário também a própria Convenção ser emendada para possibilitar adesão, como ocorreu em seu novo artigo 59(2)12, introduzido pelo protocolo número 14. Com a adesão da União à CEDH, ela se tornaria a 48ª parte da Convenção, sendo representada pelo seu próprio juiz na Corte Europeia de Direitos Humanos em Estrasburgo, e teria que cumprir decisões desta Corte em processos contra ele (Douglas-Scott, 2011: 660).
Mesmo que esses novos artigos criem a possibilidade de adesão da UE à Convenção não é algo simples de acontecer. Existem diversas questões importantes a serem resolvidas, dada a característica única de uma organização internacional sui generis a adesão se provará de extrema dificuldade. O Conselho da Europa não está preparado para lidar com instituições supranacionais, diversas questões iriam ter que ser debatidas, como quem iria representar a UE dentro da Corte de Estrasburgo ou se membros da Convenção Europeia que não fazem parte da UE ganhariam o direito de trazer procedimentos contra a União dentro da Corte Europeia de Direitos Humanos (Douglas-Scott, 2011: 660).
O requerimento de esgotar todos os recursos internos para entrar com um processo na Corte de Estrasburgo poderia levar a litígios extremamente morosos se o direito da UE estiver em causa e se já estiver sido proferida uma decisão prejudicial a Luxemburgo (Douglas-Scott, 2011: 660). A adesão irá colocar uma lacuna considerável no sistema de proteção de direitos humanos Europeu, onde as leis dos Estados-membros da UE já são submetidas à jurisdição da Corte de Estrasburgo, enquanto as medidas da Comunidade não, criando assim dificuldades para os Estados quando obrigações da Convenção e do direito comunitário entrarem em conflito (Murray, 2011: 1399). A adesão deve levar em conta todos esses problemas e outros requeridos pelo direito comunitário da EU. Por conseguinte, pode-se perceber que não é algo simples de ser feito, sendo algo que provavelmente levará anos.
O disposto no artigo 6º do Tratado de Lisboa significa uma mudança na autonomia do TJUE ao interpretar a ampla gama de direitos civis e políticos no direito comunitário que corresponde também aos direitos da Convenção. Antes de entrar em vigor o Tratado de Lisboa, o TJUE teve uma autonomia enorme no significado dos direitos dentro do âmbito do ordenamento comunitário, mesmo demonstrando um respeito considerável à jurisprudência da Corte de Estrasburgo. O TJUE aproveitou da melhor situação possível, em que seguia e confiava na Convenção sem estar formalmente vinculada a ela. Contudo, com a introdução do novo regime de direitos fundamentais interpostos pelo Tratado de Lisboa, o TJUE terá uma restrição maior em seguir a jurisprudência da Corte Europeia de Direitos Humanos em relação aos direitos protegidos pela Convenção (Murray, 2011: 1402).
Nessa lógica, o tratado de Lisboa irá levar decisões feitas pela Corte Europeia de Direitos Humanos a terem efeitos erga omnes perante os Estados membros da UE quando forem seguidos pelo TJUE e seus acórdãos. A possível adesão da UE à Convenção, que tornará o próprio direito comunitário sujeito a revisões perante a Corte de Estrasburgo, terá o efeito direto dentro do ordenamento comunitário e, por extensão, dentro dos Estados-membros da UE, sendo algo muito mais além da situação atual em que as decisões da Corte de Estrasburgo só têm um impacto direto inter partes (Murray, 2011: 1402).
IV. Problemas e consequências da adesão da União Europeia na Convenção Europeia de Direitos Humanos
A preservação da autonomia e o monopólio do TJUE na interpretação do direito comunitário são dois pontos importantes para haver a adesão da União à Convenção. O TJUE decidiu que a UE não teria competência para entrar em tratados internacionais que permitiam que outros tribunais internacionais pudessem fazer determinações sobre a validade ou o conteúdo do direito comunitário. O próprio Tratado de Lisboa inseriu provisões em seu protocolo n° 813 defendendo que o acordo de adesão fosse feito de tal maneira que não atrapalhasse o princípio da autonomia da ordem jurídica da UE, presente desde o caso Costa vs Enel (Tribunal de Justiça da União Europeia, 1964), mantendo-a intocável (Freitas, 2015: 91). Mesmo sendo um tema que gera dúvidas na relação de competências entre o TJUE e a Corte Europeia de Direitos Humanos, uma resolução interessante do parlamento ajuda a iluminar essa questão:
A adesão não porá de modo algum em causa o princípio da autonomia do direito da União, porquanto o TJUE se manterá como órgão jurisdicional supremo e único no que respeita às questões que se prendem com o direito da União e a validade dos seus actos, não podendo o Tribunal dos Direitos do Homem ser considerado apenas uma instância que exerce uma fiscalização externa da observância, pela União, das obrigações de direito internacional que advêm da sua adesão à CEDH; a relação entre os dois tribunais europeus não é de natureza hierárquica, mas sim de especialização; sendo assim, o TJUE disporá de um estatuto análogo ao que têm presentemente os Supremos Tribunais dos Estados-Membros, relativamente ao Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (Parlamento Europeu, 2010).
A resolução mencionada acima traz a possibilidade de não haver a perda do princípio da autonomia do direito da União após uma possível adesão à CEDH.
Ademais, também é pertinente mencionar a declaração conjunta dos presidentes do Tribunal de Justiça da União Europeia e da Corte Europeia de Direitos Humanos de janeiro de 2011 (Presidentes Costa e Skouris, 2011). Nesse documento diferenciaram-se dois tipos de ações: as diretas e as indiretas. As primeiras referentes às petições individuais diretas contra as medidas adotadas pelas instituições da UE após a adesão dela na Convenção, enquanto as segundas, referente às petições contra atos adotados pelas autoridades dos Estados-membros da UE para a aplicação ou implementação do direito comunitário. De acordo com o artigo 35(1) da CEDH e a jurisprudência da Corte de Estrasburgo, para as ações diretas chegarem a Corte Europeia de Direitos Humanos devem exaurir todos os recursos internos, respeitando, primeiramente, a revisão interna do Tribunal de Luxemburgo. Assim, é garantido que a revisão exercida pela Corte de Direitos Humanos será precedida da revisão interna efetuada pelo Tribunal Europeu. Já nas ações indiretas, a situação é mais complexa. O demandante vai ter que primeiro levar a questão ao tribunal interno do Estado-membro, o qual pode ou deve, dependendo da circunstância, levar a questão ao TJUE pelo mecanismo de direito processual, o reenvio prejudicial. Contudo, se por qualquer motivo não for feito o reenvio, a Corte de Estrasburgo seria obrigada a pronunciar-se sobre o pedido em questão sem haver a oportunidade do TJUE de fazer a própria revisão, inclusive se a matéria for sobre o direito comunitário e os direitos fundamentais garantidos na Carta. Em contraste, essa situação não deve surgir com frequência, porém, é verdade que pode ocorrer.
O reenvio prejudicial só pode ser iniciado pelos órgãos jurisdicionais nacionais, com exclusão das partes, as quais estão em condição de sugeri-lo, mas sem o poder para requerê-lo. Isso significa que o reenvio não é recurso legal para ser exaurido pelo demandante antes de se submeter à Corte de Estrasburgo. Essa é uma das preocupações levantadas na negociação do acordo de adesão: no momento em que fosse apresentada uma contestação a uma ação da UE na Corte Europeia de Direitos Humanos, o TJUE teria realmente tido a oportunidade de se pronunciar sobre todas as questões envolvendo a validade do direito comunitário que pudessem dar origem a uma violação da CEDH? O problema vem do fato de que a maioria dos casos de litígio da UE é resolvida dentro dos tribunais nacionais em vez de uma ação direta nos tribunais da UE, dando a chance de tal ação ser finalizada dentro das cortes nacionais sem o TJUE ter a chance de se pronunciar sobre o problema (Douglas-Scott, 2011: 663). Ou seja, caso a adesão aconteça, como geralmente os casos são resolvidos dentro das cortes internas, as partes envolvidas poderiam interpor um recurso diretamente à Corte de Estrasburgo, pois todos os remédios internos já estariam esgotados (como consta no artigo 35° da CEDH), havendo uma supressão do Tribunal da UE. Por conseguinte, a partir dessas situações existe um perigo de diminuir a autonomia do Tribunal de Luxemburgo em relação ao direito comunitário.
Há uma grande preocupação dos membros do Tribunal de Justiça da União perante esse assunto (Douglas-Scott, 2011: 664), portanto, nota-se a necessidade de um procedimento especifico para garantir que o TJUE possa revisar internamente as decisões sobre o direito comunitário antes da revisão externa da Corte de Estrasburgo. Contudo, ainda não é claro que forma esse procedimento assumirá.
Outra complicação, caso haja a adesão da UE, seria saber quem se responsabilizaria em Estrasburgo pelas violações de direitos humanos no contexto da legislação da UE e a necessidade de haver a introdução de um “co-respondent mechanism”, que permitiria a participação conjunta no processo da UE e de seus Estados-membros. Ou seja, pós-adesão a quem deve ser remetido a minha reclamação? Isso seria apropriado para evitar ações separadas, seja contra a UE ou contra os Estados-membros, quando ambos são legitimamente responsáveis (Douglas-Scott, 2011: 664; O’Meara, 2011: 1820).
Uma grande parte da legislação da UE é implementada pelos Estados-membros e, portanto, a lógica seria o requerente entrar contra o próprio Estado. Contudo, os Estados-membros, às vezes, não têm escolha ou discricionariedade de como as ações provenientes da UE são executadas, nesses casos a raiz do problema é nas medidas da própria UE. O problema maior é quando as normas primárias da legislação da UE – ou seja, aquelas contidas nos tratados originários, os quais não podem ser emendados pelas instituições da UE – têm brechas em relação aos direitos humanos. Caso isso ocorra os Estados-membros teriam que ser submetidos a participar da ação. Portanto, a adesão traz perguntas delicadas de como a responsabilidade da UE e dos Estados-membros deveria ser dividida (Douglas-Scott, 2011: 664).
Com isso, o projeto de adesão em seu relatório final (Conselho da Europa, 2013) no seu artigo 3° previu a possibilidade de a organização supranacional e os Estados-membros serem “co-respondent”14 em processos perante a Corte Europeia de Direitos Humanos, havendo duas possibilidades de aplicações. A primeira é quando um pedido é dirigido contra um ou mais Estados-membros da UE, de modo que a União poderá se tornar co-demandada se tal alegação de violação é em questão da compatibilidade com os direitos da Convenção ou dos protocolos que a UE aderiu15. A segunda é quando o pedido é diretamente contra a UE e, por conseguinte, os Estados-membros podem se tornar co-demandados no processo16. Portanto, dependerá da situação: qual agente cometeu o ato de omissão? A ação é emanada da UE ou dos Estados-membros? (Ramos, 2008: 401-403).
V. O entrelaçamento entre a Corte de Estrasburgo e o Tribunal de Luxemburgo
Nessa perspectiva, ficou demonstrado que existe um entrelaçamento entre ambas as Cortes. A Convenção Europeia de Direitos Humanos é interpretada pelo Tribunal de Justiça da União Europeia e pela Corte Europeia de Direitos Humanos. A existência de uma zona em comum de atuação (direitos humanos) acarreta riscos de decisões com cunho contraditório. Assim, um Estado-membro pode ter que cumprir estritamente os comandos comunitários, ir de acordo com o TJUE e ser condenado justamente por isso pela Corte Europeia de Direitos Humanos, afetando assim a normatividade comunitária aplicada. Com isso, a condenação da Corte Europeia de Direitos Humanos irá implicar que a própria norma comunitária não deve ser mais seguida por ir contra a Convenção Europeia. Ademais, outra situação é o caso de que havendo o cumprimento integral da decisão da Corte de Estrasburgo pelo Estado-membro irá ferir os princípios da autonomia e da supremacia do direito comunitário. Por outro lado, a mesma situação poderá ocorrer se um Estado cumprir a Convenção Europeia de Direitos Humanos, com a interpretação da Corte de Estrasburgo, mas podendo ferir a norma comunitária e ser condenada pelo TJUE (Ramos, 2008: 401-403).
A existência de dois tribunais interpretando um mesmo texto normativo gera natural angústia e insegurança jurídica. Já existiram casos em que ocorreu a divergência entre ambos os tribunais. O primeiro grande conflito de interpretação ocorreu no caso Grogan (Tribunal de Justiça da União Europeia, 1991), em que o TJUE preferiu não se opor a proibição – que há dentro de alguns Estados-membros que não permitem a interrupção clínica da gravidez – e a divulgação de informações quanto à identidade e à localização de clínicas de abortos de outro Estado-membro onde se pratica legalmente. Contudo, a Corte Europeia enfrentou a questão e considerou que o artigo 40.3 da Constituição Irlandesa (que reconhece o direito à vida do nascituro e obrigado o Estado a defender esse direito) não poderia ser usado como argumento para haver a proibição das empresas britânicas (que permitem o aborto) de divulgar seus serviços. Com isso, no caso Open door and Dublin Well Woman (Corte Europeia de Direitos Humanos, 1992)17, a Corte Europeia decidiu que é ofensivo ao direito de informação, garantido pela Convenção Europeia de Direitos Humanos, essa decisão da Suprema Corte Irlandesa (Ramos, 2008: 408).
Outro caso interessante de analisar é a divergência de interpretação no caso Konstantinidis. O Sr. Christos Konstantinidis, nacional grego e residente na Alemanha, se envolveu com as autoridades alemãs, que o obrigaram a mudar de nome. O caso ocorreu, pois, as autoridades decidiram traduzir o nome do Sr. Konstantinidis do grego para o alemão de um modo diferente do qual o próprio traduzia. O TJUE decidiu abster-se de analisar a questão por meio do “direito ao nome”, mas se concentrou no eventual prejuízo financeiro causado ao cidadão comunitário, caso seus clientes pudessem confundi-lo com outra pessoa. Outra vez percebe-se que o TJUE não decidiu com base nos direitos fundamentais e mais em uma perspectiva econômica. Por outro lado, a Corte Europeia de Direitos Humanos já havia reconhecido em outros casos o direito ao nome como subproduto do direito à vida privada, estabelecido no artigo 8° da Convenção. Claramente houve diversas críticas contra o TJUE, pois não cumpriu a sua promessa de ir contra qualquer ato que violaria os direitos humanos ou fundamentais conforme pregado no próprio caso Nold KG18 (Ramos, 2008: 409-410).
1. Caso Bosphorus
A relação dos dois tribunais é caracterizada por um exercício mútuo e de grande respeito. Como é evidenciado no caso Bosphorus em que a Corte Europeia de Direitos Humanos teve uma grande deferência pelo TJUE, presumindo que a proteção aos direitos humanos dentro da UE é equivalente à requerida pela Convenção. Contudo, é duvidável se essa presunção será mantida após a adesão da UE à CEDH, sendo possível que a doutrina de Bosphorus seja abandonada. Dado que a adesão da UE iria alterar a relação das duas cortes, reservando a última palavra para a Corte de Estrasburgo ao contrário do modelo atual de cooperação e cortesia. Além disso, é argumentável que Estrasburgo deveria aplicar uma revisão mais rigorosa e concreta contra os atos da UE, em vez da equivalência de Bosphorus (Douglas-Scott, 2011: 668).
A adesão proporcionará uma base legal sólida para revisão de atos dos órgãos da UE que possam ter violado os direitos humanos dos seus cidadãos. Essa revisão também cairia dentro das decisões do próprio Tribunal de Luxemburgo. Como a presunção de Bosphorus só poderia ser aplicada quando estivessem envolvidos atos da própria Comunidade Europeia, seria muito difícil de ser justificada a permanência dessa presunção pós-adesão, pois privaria a Corte Europeia de Direitos Humanos de muitos processos que surgem na UE. Além disso, conduziria um tratamento desigual dos membros da Convenção, na medida em que a presunção beneficiária a UE, considerando que a Corte de Estrasburgo não concede tal privilégio a nenhuma corte suprema nacional dos Estados-membros da Convenção. Não seria justificável o TJUE ter tal prerrogativa. Esse argumento é reforçado quando nem mesmo as cortes que provêem uma proteção maior aos direitos humanos, as quais garantem um acesso facilitado a Corte de Estrasburgo, têm tal privilégio (Lock, 2009: 396).
Um argumentado utilizado para defender a presunção de equivalência dada por Bosphorus reflete o caso especifico do ordenamento jurídico da EU: por ser uma entidade sui generis, como foi mantido e reconhecido pelo protocolo n° 8 do Tratado de Lisboa, e que essa adesão não deveria mudar isso nem a presunção de Bosphorus (Douglas-Scott, 2011: 668). Ademais, ê importante ressaltar que antes da possível adesão da UE à Convenção, a própria Corte Europeia de Direitos Humanos já reconheceu uma equivalência de proteção aos direitos humanos da União com a CEDH. Dessa forma, após a adesão deve certamente ser ainda mais equivalente. Consequentemente, seguindo essa lógica, a Corte Europeia de Direitos Humanos teria mais motivos para manter a imunidade concedida em Bosphorus (Besselink, 2008: 8).
A possibilidade de revisão da Corte de Estrasburgo das decisões feitas pelo Tribunal de Luxemburgo, por meio da adesão, eliminaria completamente o risco de divergência das duas cortes. Porém, caso a Corte de Estrasburgo continue com a sua posição de deferência com o TJUE adotada no caso Bosphorus, a divergência poderá persistir, mas dentro da jurisprudência da Corte de Estrasburgo. Embora essa deferência reduza os conflitos abertos entre as duas ordens jurídicas, pode levar a Corte Europeia de Direitos Humanos a ter medidas mais duras perante os Estados-membros do que em relação aos atos da UE, levando a duas linhas de jurisprudência, além de uma clara hierarquia entre ambas Cortes (Berghe, 2010: 149).
2. Caso Matthews
Mesmo ocorrendo essa deferência perante o Tribunal de Justiça Europeu, a Corte de Estrasburgo mostra sinais de intolerância com a situação atual. O motivo é que houve uma maior evolução dos direitos fundamentais no sistema europeu de direitos humanos do que no sistema comunitário de direitos humanos. Por conseguinte, André Ramos (2008: 411-413) diz que essa doutrina de proteção equivalente já foi superada pelo Caso Matthews (Corte Europeia de Direitos Humanos, 1999). Esse caso, que envolve o direito originário da União, foi resultado da assinatura de um tratado de 1976 quando ocorriam os preparativos para a primeira eleição direta para o Parlamento. Dessa maneira, os então membros das Comunidades Europeias celebraram esse tratado, afirmando que os habitantes de Gibraltar (território dependente na visão do Reino Unido, ou para a Espanha uma verdadeira colônia) não votariam. Contudo, ao longo dos anos, o papel do Parlamento Europeu se intensificou e deixava de ser uma instância meramente consultiva com papel simbólico. E muitos desses novos papéis eram aplicáveis a Gibraltar. Com esse contexto, uma moradora de Gibraltar, Denise Matthews, processou o Reino Unido, perante a Corte Europeia de Direitos Humanos, alegando a violação ao direito de voto garantido pela própria Convenção Europeia, pois não foram organizadas em seu país eleições para o Parlamento Europeu.
O Reino Unido se defendeu e argumentou que a Convenção não garantia direito ao voto em eleições de órgãos de uma organização internacional, mas apenas para órgãos legislativos internos. A Corte, depois de ressaltar que a legislação da União Europeia afetava diretamente, em alguns casos, os habitantes de Gibraltar, concluiu que o direito ao voto deve ser estendido a organizações internacionais, não podendo ser restrito aos órgãos legislativos internos. Ou seja, não cabe aos Estados contrariar outros compromissos internacionais que venham violar os direitos fundamentais e a Convenção Europeia de Direitos Humanos. Além disso, é interessante notar que a restrição ao direito de voto constava originalmente em um tratado internacional no âmbito do processo de integração econômica e a Corte desconsiderou esse fato, consagrando a superioridade normativa dos tratados de direitos humanos (Ramos, 2008: 411-413). Assim, houve a consolidação da doutrina Matthews, a qual dá o poder a Corte Europeia de Direitos Humanos de analisar e avaliar os mecanismos de proteção aos direitos humanos dentro das organizações internacionais (União Europeia ou outra qualquer) e se tal mecanismo está de acordo com a Convenção Europeia, obtendo a última palavra.
Por conseguinte, Ramos (2008: 417) ainda fala que não cabe mais o sustento da doutrina equivalente, pois:
O acesso à tutela judicial garantidora dos direitos fundamentais é bem distinto no sistema de Estrasburgo e Luxemburgo. Os particulares perceberam isso e estão acionando a Corte Europeia de Direitos Humanos cada vez mais e questionando os Estados-membros da União Europeia por atos de direito comunitário originário ou derivado.
VI. Os problemas entre o Direito Comunitário e o Direito Internacional em relação aos Direitos Humanos
A partir do exposto, há uma breve discussão que provoca questões interessantes de como será desenvolvido o futuro dos direitos humanos dentro da UE. Existem fatores que desenvolvem com mais rapidez a evolução dos direitos fundamentais na UE, por exemplo: as leis antiterrorismo, as quais obtiveram um crescimento exponencial no século 21; e as ações tomadas em nível da UE, como o mandado de detenção europeu ou medidas relativas à proteção de dados, implicando aos direitos humanos. A UE também, ao assumir competências anteriormente exercidas pelos próprios Estados-membros, ficou sujeita a obrigações de direito internacional, como as resoluções do conselho de Segurança da ONU adotado pelo capítulo VII da Carta da ONU19 (Douglas-Scott, 2011: 674).
Kadi, um dos casos mais importantes e significativos do Tribunal de Luxemburgo, ilustra a relevância disso. Nesse caso, o Sr. Kadi foi umas das diversas pessoas e grupos que foram colocados numa “blacklist” como terroristas e tiveram seus bens congelados por uma resolução do Conselho de Segurança da ONU. A UE, enquanto sucessora dos Estados-membros nesta área de política externa, tomou medidas para implementar a resolução. O Sr. Kadi argumentou que nunca esteve envolvido em terrorismo e que foi vítima de um erro da justiça, alegando que a medida da UE violou seus direitos fundamentais de propriedade e de uma audiência justa, pedindo uma reparação judicial. Não foi possível para ele peticionar para “UN Sanctions Committee” diretamente, pois não eram aceitam representações diretas para indivíduos, somente ações feitas por Estados-membros. Essa situação era caracterizada como “black holes”, pois era extremamente difícil as pessoas acharem um foro para contestar essa “blacklist”. Então, o Sr. Kadi entrou com uma ação no Tribunal de Luxemburgo. Ao contrário da EGC (European General Court)20, o Tribunal achou que os seus direitos teriam sido violados21, proclamando a autonomia e hegemonia do ordenamento jurídico da UE, alegando que a Comunidade Europeia era respeitosa e deferente aos direitos humanos, sendo parte do ordenamento jurídico comunitário. Também alegou que as obrigações com os tratados internacionais não poderiam prejudicar os princípios constitucionais do Tratado da UE. Com isso, foi possível revisar a medida com base nos padrões de direito da UE, descobrindo que houve sim violações aos direitos do Sr. Kandi, como a falta de um processo justo e com a falha na comunicação do motivo da vítima estar sendo submetido à lista. A falta em observar os padrões do devido processo legal também resultou na violação do seu direito de propriedade (Douglas-Scott, 2011: 675).
Isso pode ter parecido uma vitória para os direitos humanos dentro da UE, contudo, ainda havia a preocupação da autonomia do direito comunitário, como foi mencionado anteriormente. O tribunal baseou-se fortemente nos princípios constitucionais da UE no seu julgamento. Na verdade, o Tribunal alega que todos os atos da UE devem respeitar os direitos humanos junto com os princípios constitucionais do Tratado. Isso demonstra uma forte ênfase constitucional por parte do TJUE, no mesmo nível dos casos pioneiros e de grande referência – Van Gend em Loos22 e Costa v Enel –, nos quais estabelecem o conjunto de princípios básicos do direito comunitário. Contudo, o julgamento mostrou-se pouco respeitoso com o direito internacional e as resoluções da ONU, rejeitando qualquer subordinação da UE perante a mesma.
Nesta lógica, isso pode acarretar problemas para a UE perante o direito internacional. Katja Ziegler (2009: 9) sugere que a abordagem do Tribunal no caso Kadi poderá levar a uma fragmentação do direito internacional e até uma isolação do TJUE de quaisquer normas internacionais de direitos humanos.
É de se notar a participação do Tribunal de Luxemburgo na criação dessa proteção aos direitos humanos dentro da UE. Contudo, esse papel é ambivalente. A acusação de que o Tribunal está mais preocupado com a autonomia do seu direito e com a integração do que com a proteção aos direitos fundamentais é uma crítica antiga, que remota desde as suas primeiras dicisões jurisprudenciais sobre os direitos humanos. Juntamente com esta acusação, vem à alegação de que a proteção aos direitos fundamentais da UE também reflete fortemente a forma específica dela e a sua ênfase no mercado interno. A enorme vontade do Tribunal Europeu de equiparar a proteção aos direitos humanos com as liberdades fundamentais do mercado no tratado da UE gerou fogo e descontentamento; além da reconvenção de que não são nada equivalentes. Essas questões problemáticas trazidas pelos conflitos entre liberdades fundamentais e direitos sociais provavelmente serão desenvolvidas tanto no Tribunal de Luxemburgo quanto na Corte de Estrasburgo (Douglas-Scott, 2011: 676-677).
VII. Conclusão
Em conclusão, entende-se que defender a proteção aos direitos humanos dentro de uma organização supranacional, que consta com a participação de diversos países e engloba diferentes direitos e hábitos culturais, é extremamente complexo. Desse modo, desenvolver um ordenamento jurídico supranacional eficiente é complicado para a organização competente.
Neste artigo, evidenciou-se a participação fundamental do Tribunal de Luxemburgo pelo aperfeiçoamento do amparo aos direitos humanos dentro da União. Consequentemente, os Estados-membros, junto com os seus princípios constitucionais, fizeram a pressão necessária para haver a vinculação da proteção aos direitos humanos dentro do ordenamento. O trabalho em conjunto e a vontade de estabelecer um padrão de normas de proteção aos direitos fundamentais dentro da União, com os ordenamentos juridicos nacionais, foi muito importante.
Além disso, a Convenção Europeia de Direitos Humanos junto com a Corte de Estrasburgo teve um papel fundamental de influência no Tribunal de Luxemburgo para a vinculação da proteção aos direitos fundamentais dentro do direito comunitário. É de se impressionar que ambas as Cortes tiveram uma deferência entre elas, tentando unificar a jurisprudência em somente um “standard”, apesar de não ocorrer em todos os casos. Nessa perspectiva, e interessante observar a relação de ambas as Cortes, pois nota-se que não existia um ar de superioridade de nenhuma das duas, ambas viviam em coexistência, e ocorrendo sempre um respeito pela Convenção Europeia e pela Corte de Estrasburgo por parte da União, que demonstrava o seu interesse por haver uma maior proteção aos direitos humanos na Europa. Assim sendo, não somente dentro do Tribunal de Luxemburgo, a influência da Convenção ultrapassou limites da jurisprudência, entrando na própria Carta de Direitos Fundamentais da União.
Mesmo assim, é errado dizer que a UE e o TJUE são complemente desenvolvidos em assuntos referentes à proteção aos direitos humanos. A organização da União não foi criada com o intuito de proteger esses direitos. Somente houve o reconhecimento da proteção por meio de casos individuais jurisprudenciais, com o objetivo de proteger a autonomia do direito comunitário contra os tribunais constitucionais nacionais. Os direitos fundamentais não estavam nos tratados originários da Comunidade Europeia, como estavam, por exemplo, nas Leis Básicas da Alemanha. Casos em destaque como Kadi, até então preocupados com a primazia dos direitos fundamentais, também revelaram um desejo contínuo da União de sempre manter a sua autonomia e primazia do direito comunitário, nesse caso em questão também perante o direito internacional.
A UE não pode ser construída como uma organização de direitos humanos apenas utilizando o necessário da proteção desses direitos para garantir a sua preocupação primária: a integração econômica. A UE deve assegurar o cumprimento rigoroso da proteção aos direitos humanos. Talvez a criação de um órgão acima do próprio Tribunal de Luxemburgo para se tratar somente de direitos humanos que se entrelaçam ao direito comunitário da UE ou manter uma comunicação aberta para diálogos entre diferentes tipos de ordens jurídicas (nesse caso ordens internacionais, supranacionais e internas) em que ocorresse o intercâmbio de decisões como forma de aprendizado recíproco; isso, portanto, manteria a autonomia do direito comunitário e do TJUE. Outrossim, o ponto principal é que deixar de ser uma organização de mercado interno para uma organização de direitos humanos não pode ser atingido somente com algumas novas disposições feitas por tratados declarando os valores da UE ou de casos indivíduais, como Kadi. É algo muito mais complexo que isso.
Algo muito interessante posto por Douglas-Scott (2011: 679) é que os direitos humanos não podem ser desenvolvidos na sua forma mais substantiva, abrangente e ambiciosa por meios instrumentais e conduzidos por Tribunais, onde os direitos humanos são perseguidos por aqueles que têm mais recursos para litigá-los. Mesmo a UE sendo uma entidade pioneira no quesito de sua supranacionalidade, e até mesmo na proteção aos direitos humanos, existe muito trabalho a ser feito para ser vista completamente como uma organização de direitos humanos.
Mesmo os Estados-membros mesmo deixando de lado sua soberania perante o direito comunitário, a proteção aos direitos humanos é vista de uma maneira diferente por eles. A exemplo do Tribunal Superior da Alemanha, que somente aceita a supremacia do direito comunitário quando houver o devido respeito aos direitos fundamentais e estiver de acordo com a Lei Fundamental da República Federal da Alemanha. Isso indica que os Estados-membros ainda ficarão observando como serão garantidos tais direitos na UE, ou seja, a complexa estrutura de proteção aos direitos humanos irá continuar. Esse é uns dos motivos para que talvez seja necessária a adesão da UE na Convenção, em que o próprio Tribunal de Luxemburgo possa adequar a sua jurisprudência sobre direitos humanos com a Corte de Estrasburgo ou pelo menos manter um padrão mínimo; a fim de se legitimar sua própria posição institucional, garantindo as suas credencias de direitos fundamentais e evitando novas contestações dos tribunais nacionais. Contudo, após o Tratado de Lisboa, apesar de ter tido uma grande evolução dos direitos humanos dentro da UE, ocorreu um aumento de complexidade significativo, como vimos ao decorrer desse trabalho. E questões como essa irão ser debatidas por muito tempo.
Por fim, essas declarações de haver uma forte proteção aos direitos humanos dentro da UE foram um meio para o Tribunal de Luxemburgo manter a autonomia e a primazia do direito comunitário dentro da UE durante tantos anos. No entanto, a UE deve utilizar essas declarações para manter essa proteção aos direitos humanos de uma forma robusta. Agora com a vinculação da Carta de Direitos Fundamentais, após o Tratado de Lisboa, foi garantido assim outros recursos e maneiras de haver a devida proteção aos direitos humanos dentro da UE. Por conseguinte, a UE e principalmente o TJUE devem manter uma visão mais profunda na proteção desses direitos, e não somente com uma mentalidade de mercado.
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• União Europeia. (2016). Tratado sobre o funcionamento da União Europeia (versão consolidada). Disponível em: https://eur-lex.europa.eu/resource.html?uri=cellar:9e8d52e1-2c70-11e6-b497-01aa75ed71a1.0019.01/DOC_3&format=PDF
• Ziegler, Katja S. (2009). Strengthening the Rule of Law, but Fragmenting International Law: The Kadi Decision of the ECJ from the Perspective of Human Rights. Human Rights Law Review, Oxford, Vol. 9, No. 2, Abr. Disponível em: https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=1358376.
1 Bacharel em direito pelo Centro Universitário Ritter dos Reis (2020), mestre em Direitos Humanos, bolsista CAPES/PROSUP, pelo Centro Universitário Ritter dos Reis (2022), pós-graduando em direito internacional aplicado pela Escola de Direito Brasileira (2022-atual), doutorando pela Universidade La Salle, bolsista CAPES/PROSUP com dedicação exclusiva (2023-atual). Pesquisador nas áreas de sociologia do direito, direito constitucional e direito internacional. E-mail: lucas_lanner@hotmail.com.
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-1287-7390.
2 Doutora em Evoluzione dei Sistemi Giuridici e Nuovi Diritti (UNILE), Professora do programa de pós-graduação da Universidade La Salle, Professora do programa de pós-graduação e Diretora de Pós-graduação Stricto Sensu da UNIFACVEST, Professora visitante da Università Gabriele d'Annunzio di Chieti-Pescara, coordenadora e Professora titular do Programa de Pós-Graduação em Direito na Universidade Ritter dos Reis. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-5437-648X.
3 Doutora (2019) e mestra (2014) em Direito Público pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos - UNISINOS, com bolsa PROEX/CAPES durante o Mestrado. Professora de Direito Internacional e de Direito Constitucional da Universidade Ritter dos Reis.
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-1730-2702.
4 Ver mais em Anrull (2017), Campos (2008), Douglas-Scott (2011), Jales (2016), Ramos (2008; 2019), Senden (2011).
5 Até o Tratado de Lisboa, a União Europeia era conhecida como Comunidade Europeia.
6 No decorrer da formação da União Europeia, quando juízes nacionais eram solicitados em decidir num pleito que comportava o direito comunitário, ocorria a dificuldade de interpretação. O que se compreende, pois, o direito comunitário era algo novo, complexo, com seus próprios princípios, cujo não houve a possibilidade de estudo aprofundado pelos magistrados nacionais. A solução foi à utilização de um mecanismo de direito processual a serviço do direito comunitário chamado de “reenvio prejudicial”. Foi uma forma inovadora do direito comunitário, havendo a permissão de buscar o TJUE a respeito de uma questão prejudicial à resolução do caso em litigio que fundamentou eventual ação proposta. Por conseguinte, é um mecanismo processual importante para ocorrer a interpretação uniforme do direito comunitário (Campos, 2008; Saldanha, 2001).
7 Artigo 8 (1). Qualquer pessoa tem direito ao respeito da sua vida privada e familiar, do seu domicílio e da sua correspondência. (2). Não pode haver ingerência da autoridade pública no exercício deste direito senão quando esta ingerência estiver prevista na lei e constituir uma providência que, numa sociedade democrática, seja necessária para a segurança nacional, para a segurança pública, para o bem-estar económico do país, a defesa da ordem e a prevenção das infracções penais, a protecção da saúde ou da moral, ou a protecção dos direitos e das liberdades de terceiros
8 Artigo 52(3) da Carta: Na medida em que a presente Carta contenha direitos correspondentes aos direitos garantidos pela Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, o sentido e o âmbito desses direitos são iguais aos conferidos por essa Convenção. Esta disposição não obsta a que o direito da União confira uma proteção mais ampla.
9 Caso queira aprofundar-se nos argumentos que levaram Lock a tal conclusão, ver em: Lock (2009: 375-398).
10 Artigo 46(1). As Altas Partes Contratantes obrigam-se a respeitar as sentenças definitivas do Tribunal nos litígios em que forem parte.
11 Artigo 6(2) do Tratado da União Europeia: A União adere à Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais. Essa adesão não altera as competências da União, tal como definidas nos Tratados.
12 Artigo 59(2) da Convenção Europeia de Direitos humanos: A União Europeia poderá aderir à presente Convenção.
13 Artigo 6(2) do TUE determina que a adesão “não altera as competências da União, tal como definidas nos Tratados”.
Artigo 1 do protocolo N° 8 determina que a adesão “deve incluir cláusulas que preservem as características próprias da União e do direito da União”.
Artigo 2 do protocolo N° 8 determina que a adesão da “União não afete as suas competências nem as atribuições das suas instituições”.
Artigo 3 do protocolo N° 8 determina que a adesão não deve afetar o artigo 344 do Tratado sobre o Funcionamento da UE ao qual determina que “Os Estados-Membros comprometem-se a não submeter qualquer diferendo relativo à interpretação ou aplicação dos Tratados a um modo de resolução diverso dos que neles estão previstos”.
14 Tradução livre feita pelo autor: “co-demandado” ou “corréu”.
15 Final report to the CDDH - Article 3(2) “Where an application is directed against one or more member States of the European Union, the European Union may become a co-respondent to the proceedings in respect of an alleged violation notified by the Court if it appears that such allegation calls into question the compatibility with the rights at issue defined in the Convention or in the protocols to which the European Union has acceded of a provision of European Union law, including decisions taken under the Treaty on European Union and under the Treaty on the Functioning of the European Union, notably where that violation could have been avoided only by disregarding an obligation under European Union law.”
16 Final report to the CDDH - Article 3(3) “Where an application is directed against the European Union, the European Union member States may become co-respondents to the proceedings in respect of an alleged violation notified by the Court if it appears that such allegation calls into question the compatibility with the rights at issue defined in the Convention or in the protocols to which the European Union has acceded of a provision of the Treaty on European Union, the Treaty on the Functioning of the European Union or any other provision having the same legal value pursuant to those instruments, notably where that violation could have been avoided only by disregarding an obligation under those instruments.”
17 A suprema Corte Irlandesa considerou que a própria Constituição vedava junto com o aborto a atividade de aconselhamento às gestantes do modo de proceder ao procedimento em outro Estado-membro. Já a Corte Europeia entendeu de forma diferente, considerando tal vedação desproporcional, não devendo haver a proibição da informação do aborto legal em outros países.
18 Nold KG foi o primeiro passo para o Tribunal de Luxemburgo se comprometer com as obrigações dos tratados internacionais, e formar o caminho para ter responsabilidade e respeito perante os direitos humanos derivados desses tratados. Em resumo, o caso Nold KG atribuiu na Comunidade o componente de lei internacional em proteção aos direitos humanos, prevendo que as pessoas sujeitas ao direito comunitário reivindiquem direitos e liberdades decorrentes dos tratados internacionais em que os Estados-membros da Comunidade são membros. Nold KG, também abriu espaço para emergir uma nova ordem comunitária de direitos humanos e serviu para criar um relacionamento suave entre o Tribunal de Luxemburgo e a Corte de Estrasburgo, expressando assim a vontade de se submeter à tradição dos Estados-membros quanto à proteção aos direitos humanos numa perspectiva internacional (Tribunal de Justiça da União Europeia, 1974). Ver mais em Korenica (2015: 42 s.).
19 Carta da ONU capítulo VII: AÇÃO RELATIVA A AMEAÇAS À PAZ, RUPTURA DA PAZ E ATOS DE AGRESSÃO
20 EGC é uma corte que constitui o Tribunal de Justiça da União Europeia. Ela é responsável pelas ações contra as instituições da União Europeia impetradas por indivíduos ou por Estados-membros. As Decisões da EGC podem ser apelada para o TJUE. Antes do Tratado de Lisboa, era conhecida como “Court of first instance”.
21 Na primeira instância, EGC declarou a primazia da ONU e do direito internacional e impediu a revisão com base nas normas da UE. De acordo com EGC, tudo que a UE estava fazendo era implementar uma medida da ONU. Não obtendo nenhum poder discricionário autônomo nem de uma margem de apreciação (Tribunal de Justiça da União Europeia, 2005).
22 Caso em que o teve o ponto de partida para a criação do princípio comunitário de aplicabilidade imediata, em que estabelecendo direitos a particulares por meio do direito da União irá ter a aplicação da norma de forma imediata. Nesta lógica, a norma deve-se ser aplicada no ordenamento interno sem necessidade de mediação ou de um instrumento que introduza a norma coercitivamente no âmbito nacional, por conseguinte, produzindo a plenitude de seus efeitos em todos os Estados-Membros e aos seus particulares automaticamente (Tribunal de Justiça da União Europeia, 1963).